Bem-Vindo Errante Viajante

Do Olimpo trago a almejada chama, da qual sugiro dançarmos embriagados a sua volta, e quando assim for, sujiro arriscar tocá-la, pois, felizes os que dela se queimarem.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

RPG: Aventuras em Yrth - Saga dos Bravos de Orion - João de Deus - Parte 2


Constituindo-se Mercenário, O Infausto Embusteiro

João de Deus percebeu com o tempo que o grupo de Heitor Ulbier não possuía uma fidelidade à altura das histórias que o próprio relatava para ele - enquanto líder -, haja vista que, alguns trabalhos eram dispendiosos demais e não justificavam a quantia a ser recebida. Embora, havia sim, alguns dois ou três fiéis, e, que com o tempo, o aprendiz de aventureiro conheceria muito bem dois deles, que são: Phartus, O Gêmeo e Alex Bartô, O Montanhês.

Além do Marquês Zimmerman, Heitor, possuía alguns outros clientes espalhados por quase todo o reino de Mégalos. Alguns destes eram arcanos que necessitavam de animais incomuns, e muitas das vezes, fantásticos, para a realização de seus trabalhos mágicos. E, sempre que estas tarefas surgiam, era comum no dia seguinte contar baixas na equipe, Alguns homens não tinham coragem de dizer na cara de Heitor que estavam lhe abandonando, pois, o líder era carismático e tinha uma língua afiada capaz de convencê-los do contrário, por tal motivo, optavam em desertar na calada da noite, geralmente após uma bebedeira desregrada, algo muito corriqueiro entre o bando.

Ilustração 01:
Phartus, O Gêmeo, nascido Meio Elfo,
  de natureza Bon Vivant, Impulsivo,
 e, ladino por profissão.
Phartus, O Gêmeo, era um meio-elfo, que aparentava ter pouco mais de vinte anos, contudo, ele possuía idade similar a de Heitor (por volta de 50 anos ou mais). Costumava levar tudo com muito bom humor, de tal maneira, que muitas das vezes se tornava insuportável por suas fanfarronices desmedidas e descabidas de bom senso. De passagem em uma cidade por pelo menos um dia, eram certas as seguintes ocorrências: Ele cortejaria três ou cinco mulheres, casadas ou não; Ele jogaria, ainda que estivesse apostando o dinheiro de outros; Ele beberia em demasia; e, por fim, vinculada a qualquer uma das três atividades anteriores, Ele entraria em uma confusão que certamente poderia lhe custar a sua vida, e de quem mais estivesse próximo. Um Bon Vivant convicto e impulsivo, que além de possuir uma singular habilidade para os jogos de azar, sobretudo, o de dados, também, era um hábil arqueiro, arremessador de facas, combatente, e, também, batedor de carteiras. Quando ele adentrou o grupo de Heitor há muitos anos trás, havia outro membro chamado Dillus de Myrgan, e, eles se pareciam fisicamente, exceto pelos quase desapercebidos traços élficos de Phartus e alguns trejeitos, no entanto, não demorou muito para serem chamados de irmãos, e, assim o líder o batizou de O Gêmeo de Myrgan, que com o tempo tornou-se somente, O Gêmeo.

Com Phartus, João de Deus aprendeu algumas de suas habilidades mencionadas acima, assim, como a aproximação propiciou também a afeição por hábitos indesejáveis. O primeiro fumo que o jovem puxou foi na companhia do meio-elfo, contudo, fumar, beber, e jogar faziam parte do cotidiano do grupo de Heitor Ulbier.

Ilustração 02:
Alex Bartô, O Montanhês.
Reservado e Braço direito de Heitor Ulbier.
Alex Bartô, O Montanhês, era o braço direito de Heitor, e, assim como, João de Deus, ele era um talento que fora encontrado ainda adolescente perdido entre vassalos medíocres de um nobre qualquer nos confins de Mégalos. Sem sombra de dúvidas, ele era um dos melhores combatentes do grupo, e, conseguia fazer de seus punhos armas naturais. Fazia um tipo reservado de poucas palavras, contudo, não dispensava uma bebida, um fumo e um sexo. Entre o grupo havia à surdina um comentário: “Saberás quando todos aqui estiverem demasiadamente bêbados e prontos para morte, quando o Montanhês, começar a tagarelar sorridente”. O tempo em que João esteve com eles, isso nunca aconteceu, e, foram muitas as bebedeiras pelas quais passaram. Inocentemente, o jovem João de Deus apostou com Phartus que conseguiria beber a ponto de fazer com que Alex quebrasse a sua postura impávida, e, assim viesse, a tagarelar sorridente... Nesse dia, João viveu o seu primeiro coma alcoólico.

Quando João de Deus decidiu-se por aprender algo com Alex, ele teve de pedir uma espécie de intermediação de Heitor, pois, por algumas vezes ele tentou se aproximar do Montanhês, e este último sempre se mostrou alguém indisposto a ensinar aquilo que sabia para qualquer um até aquele momento. Uma das poucas palavras que o retraído homem disse diretamente sob um olhar penetrante ao jovem foi: “Veja, aprenda e não perturbe”, sob o total aval do líder. João até se esforçou para acompanhar em silêncio a agilidade com a qual seu tutor exercia as suas perícias de combate e confecções de armadilhas, mas não tardou para que ele quebrasse a terceira regra de convivência, e, com isso, o jovem impulsivo ganhou um primeiro olho roxo dentre os membros do grupo.

Heitor Ulbier, O Caçador, era uma figura emblemática, popular, e quisto entre os seus. Tinha uma habilidade nata de perceber quando as pessoas tentavam lhe enganar ou tirar vantagem sobre ele, de tal forma, que dificilmente se dava mal. Uma vez ou outra se aventurava em fazer negócios com tipos mau-caráter para saber até onde eles iriam com suas tramoias, mas, o que mais lhe chamava a atenção em fazê-lo, era a possibilidade de passar os mesmos para traz, como por diversas vezes o fez com o Marquês Zimmerman de Craine. Diziam que ele era capaz de dormir com um olho aberto e outro fechado, de tamanha prontidão e leveza de sono, tinha o olfato, o paladar e a audição assombrosamente apuradas. Estranhamente, conseguia por horas a fio, ficar imóvel, olhando em um único sentido, sem beber ou comer. Em meio a uma floresta se sentia parte da mesma, possuía a estranha peculiaridade de às vezes cheirar e até ingerir as fezes de um animal, para saber do que a presa havia se alimentado e a quanto tempo. Embora tivesse muitas boas atribuições enquanto líder, ele tinha uma dificuldade em lidar com o dinheiro e as conquistas que o precediam. Às vezes o muito que Ulbier conseguia conquistar se perdia mais rápido do que se esperava, e, isso afetava consideravelmente a moral do grupo que o acompanhava, era como se ele fosse detinha algum tipo de azar para essas questões. 

Com O Caçador, João de Deus pôde aprender um pouco de suas habilidades de conversar persuasivamente, em caçar, rastrear, emboscar, assim como algumas maneiras de tornar a sua prontidão mais apurada. Às vezes, João olhava para o velho Heitor, e imaginava, se o pai dele teria sido como esse homem, pois, eram pouquíssimos resquícios de memória que o jovem ainda tinha de seu progenitor.

João de Deus ao aprender algumas técnicas com Phartus na arte da punga, prestidigitação e dos jogos de azar, assim que o grupo retornou de uma empreitada em um bosque nas proximidades da cidade de Arvey, ele resolveu que já era hora de fazer uso de seu recém aprendizado com outros alheios ao seu convívio diário. A sorte de principiante elevou o seu ego ao ser bem sucedido em três ações em uma mesa de jogos de dados, contudo, algo de muito ruim ocorreu na quarta tentativa, quando ele tentou trapacear um gnomo que também estava sentado a mesa, a jogar e a beber por mais uma aventura atravessada. Logo, o pequeno chamou a atenção da taverna inteira para desmascarar o ladino. No mesmo local, estavam alguns outros dois membros de seu grupo, contudo, os mesmos não estavam predispostos a comprar a briga que envolvia uma quantidade superior de indivíduos, sendo assim, trataram logo de se retirar em meio a confusão. O jovem foi imobilizado e surrado por um grupo de gnomos, anões e homens que se amontoaram para julgarem com o peso de seus punhos o trapaceiro. Inconsciente, seu corpo foi arremessado a uns três metros por um Meio-Orc que trabalhava no estabelecimento como Leão de Chácara.

Phartus que havia conduzido João até aquela taberna o deixou a vontade enquanto se intertia com uma das jovens que atendiam ao salão, contudo, como o mesmo se retirou do lugar para se agarrar mais a vontade com a mulher que seduzira não percebeu a tremenda encrenca em que o jovem companheiro havia se metido. Contudo, foi o Meio-Elfo, após algum tempo que socorreu João ao encontra-lo desacordado, ensanguentado e amordaçado ao chão em decúbito dorsal. Quando Phartus o ergueu pelos braços o sustentando pelo ombro, um gnomo disse ao longe próximo a entrada da taverna: “Infausto Embusteiro, mais sorte da próxima, se houver”, e seguiu caminhando em sentido contrário com um cachimbo na boca. A princípio aquilo soou repugnante e digno de vingança, mas veio a calhar, sobretudo, tendo o jovem aprendiz de ladrão sobrevivido, e, aprendido a mais uma grande lição.

No grupo de Heitor Ulbier, João de Deus viveu por cerca de três anos, e, com ele participou de algumas valiosas empreitadas que lhe geraram experiências significativas na vida a qual havia abraçado. Com o tempo, e maturidade suficiente, ele percebeu que o grupo já não poderia oferecer coisas das quais almejava, que incluíam riqueza, fama e passado.


Verdades que conduzem ao passado e que alimentam vinganças

Há algum tempo João de Deus tinha tido alguns sonhos de infância, onde vivia feliz na companhia de Maria a percorrer estradas empoeiradas rumo a lugar nenhum, e, isso o atormentava de alguma maneira, pois, não sabia até onde a história contada por seu algoz na fazenda era verdade ou não, uma vez que, Luzmmonarca o torturava de todos os modos possíveis. E, sempre que relatava esses sonhos e sentimentos para Heitor e Phartus, logo eles procuravam não se aprofundar no entendimento daquilo, o que lhe deixava mais inquieto. Contudo, foi Alex Bartô, O Montanhês, que o ouviu após perceber que algo não estava em seu devido lugar – o jovem estava desconcentrado e distante -, e, o orientou a deixar o grupo em busca de respostas para as suas perguntas. Nesse dia, para total surpresa, eles tiveram a mais longa conversa que qualquer um já teve com aquele homem reservado e de pouquíssimas palavras teve em anos.

O Montanhês sugeriu que João de Deus fosse para Craine o quanto antes, e lá procurasse a sua irmã Maria no Palacete das Orquídeas de Noir que pertencia a Hilda Noir, amante do Marquês Zimmerman. Pois, assim como João, Alex Bartô desacreditava na história contada por seu algoz. Desta forma, ambos sabiam que ele precisava ter a certeza de que Maria estava vida para calar a dor que o torturava. Na calada da noite, o tutor das armadilhas preparou uma montaria para seu companheiro e aprendiz, assim, como dispôs a ele um punhado de peças de ouro suficientes para comprar a vida de pelo menos umas cinco escravas. Uma última palavra proferida pelo Montanhês: “Para essas moedas não há volta, assim, como par ti, João”. Ele lhe deu um forte abraço e desejou-lhe uma viagem segura.

Assim, como tantos outros fizeram antes dele, João de Deus deixou o grupo liderado por Heitor Ulbier, O Caçador. Contudo, nesses três anos de convivência, algo no seu intimo sabia que o líder conseguia captar esse tipo de sentimento de fim, e que ele também tinha outra grande dificuldade além da indisciplina financeira: a de dizer adeus para os seus.

Ilustração 03:
Palácio das Orquídeas de Noir,
 liderado por  Hilda Noir, A Senhoria
 a Captora de João e Maria de Deus.
Quando João chegou à cidade de Craine, não tardou para que ele encontrasse o Palacete das Orquídeas de Noir. Uma espécie de prostíbulo frequentado exclusivamente por nobres e homens de posses do reino. Desta forma, ele se deparou com uma dificuldade da qual ainda não estava preparado. Durante dias, ele ficou observando o perímetro, quem entrava e quem saía do local, quem zelava pela vigilância e todos os demais perigos possíveis, por fim, chegou à fatídica conclusão de que sozinho seria impossível adentrar o lugar, e, ainda mais difícil seria deixa-lo acompanhado de uma fugitiva. Por diversas vezes vislumbrou em uma das várias janelas a feição singular de Hilda Noir, e de seu antigo mestre, o Marquês Paul Zimmerman.

No coração de João de Deus uma verdade ganhava forças a cada novo dia estudando aquele requintado cativeiro: a Maria poderia estar viva sim. E, esse pensamento, além de lhe dar forças também o afligia.

João de Deus reconheceu nas proximidades da hospedaria onde estava hospedado um homem que há muito não via, um distinto nobre que frequentava o prostíbulo, e que, embora não soubesse o seu nome, o agarrou pelo braço vociferando inquisitivamente as seguintes palavras:

“Eu o reconheço... É o Homem das várias faces que fez com que a minha irmã o seguiste, para no fim, acabarmos na desgraça em que nos encontramos!”.

O sujeito ficou perplexo com tais palavras e a maneira como fora abordado pelo rapaz, e, tentou logo se desvencilhar, contudo, João já não era mais uma criança inocente como de outrora, e, soube muito bem como detê-lo, Não havendo saída, os dois estavam novamente frente a frente, e, somente coube, a Jammes Debberus ter autocontrole, e levar o seu captor até um local mais reservado para conversarem em particular, uma vez que, o jovem estava demasiadamente alterado. Jammes detestava exposição pública.

Apesar dos anos, Jammes não aparentava ter envelhecido tanto. Assim, que eles chegaram no quarto ao qual ele havia alugado, o mesmo não foi grosseiro e nem tentou se afugentar, muito pelo contrário, foi cordial e muito educado tomando duas cadeiras e as colando de forma que pudessem se assentar e dialogar civilizadamente. Ele, também estava curioso em entender do que estava sendo acusado em tantos anos. A forma como Jammes recebeu João de Deus, fez com que o último revesse a sua postura, pois, aquilo o surpreendeu.

Em silêncio, Jammes Debberus ouviu o relato de toda a história de vida de João de Deus até aquele momento. Lembrou-se do episódio no barco, e, de como aquelas duas crianças haviam atrapalhado os seus planos, contudo, o motivo pelo qual havia se afugentado delas, era justamente, por acreditar que as duas pudessem ser filhos bastardos dele, de fato, sobretudo, por em diversas ocasiões, tido ele flertado e encantado algumas mulheres que cruzavam o seu caminho. Conhecer essa verdade o tranquilizou em partes, mas, saber que a jovem Maria havia sido levada para o Palacete das Orquídeas de Noir para servir como escrava sexual de devassos nobres o fez se sentir parcialmente culpado, pois, nessa hora veio lhe a lembrança dela blefando o chamando histericamente de “Papai”, e, pior, a confirmação de que uma das mulheres que lhe pareceu familiar dentro do palacete poderia ser com certeza, a adolescente que conheceu outrora. Em seu intimo um pensamento martelava incessantemente como uma consciência pesada:

“Tanto tempo havia se passado, e, quanto sofrimento minha fuga de uma situação improvável causará a outros... Lamentável para quem sempre gozou de bom senso, e, brindou a sensatez”.

Jammes se pôs a falar após ponderar toda a situação:

“Lamentavelmente, Eu não posso fazer as águas do tempo retornarem a nascente, e, fazê-las novas, pois, o frescor e o sabor são únicos para aquele que se deleita delas. Contudo, após tal relato, sinto-me compelido moralmente em ajudá-los, sobretudo, a jovem que é mantida em cativeiro por Hilda Noir no Prostíbulo da Nobreza Megalana... Não tenho certeza se a mulher que deseja tirar de lá é a mesma cuja semelhança me soou familiar, mas na altura da história em que nos encontramos, tanto Eu, como Você, desconhecemos com clareza os traços atuais dela, porém, acredito que possivelmente só conheceremos a fundo quando estivermos frente a frente com ela. Portanto, uma vez em minha companhia, deverá se portar conforme eu orienta-lo, pois, um deslize naquele lugar poderá ser fatal tendo em vista a missão. Coloco dessa maneira, pois, não sei até que ponto a liberdade das escravas de Hilda são comercializadas”.

João de Deus apenas teve de confiar naquela misteriosa figura de seu passado, e que naquele momento lhe pareceu o meio mais rápido de se chegar novamente a Maria.

Ao longo de dois dias, Jammes tentou ensinar um pouco de etiqueta e cultura, de modo que João pudesse adentrar com ele pela porta da frente o Palacete, algo mais sensato e menos arriscado. No entanto, o curto tempo, demonstrou a ambos que para aquele tipo de instrução seria necessário um tempo do qual eles não dispunham no momento. Sendo assim, o Mil-Faces pediu somente para que quando estivessem dentro do recinto: o jovem evitasse falar, não tomasse partido de algo sem o seu consentimento, e, buscasse imita-lo em seus trejeitos quando sinalizado por ele. A ideia sugestionada por Debberus para adentrarem o Palacete de Hilda Noir era muito boa: João de Deus seria filho de um nobre em ascensão no reino de Cardiel, e que fora enviado ao lugar para conhecer um pouco do comércio e possíveis aliados para os negócios da família, contudo, ele seguia também em processo de enriquecimento cultural e aquisição de demais conhecimentos relacionados a necessidade de um nobre, e, quanto a isso, .

Com algumas moedas de ouro cedidas por João de Deus a Debberus, eles construíram fisicamente a imagem dos dois personagens que adentrariam o Palacete naquela noite pra resgatar Maria.


Adentrando o Palacete, sucumbido ao inferno de devassidão.

Embora João de Deus tenha adentrado e se divertido em alguns bordeis na companhia de seus antigos comparsas de grupo, nada se comparava aquele lugar. Jammes Debberus era um homem meticuloso e fez questão de informar ao seu parceiro o que era o Palacete das Orquídeas de Noir, e, sobretudo, quem era os seus benfeitores e clientes:

"A nossa anfitriã, Hilda Noir, é uma criatura de beleza rara e misteriosa, da qual ainda desconheço a sua real natureza, mas sei que não é humana, pois, são raríssimos os homens que resistem aos seus apelos, dos triviais aos descabidos. É impossível não ficar encantado com a sua beleza singular; o seu olhar profundo capaz de desbravar a alma de um homem em fração de segundos; a delicadeza melodiosa como a sua voz penetra os nossos ouvidos, que mais se assemelha a uma canção profunda natural de nosso intimo; o seu indecifrável perfume suave de flores; e os seus gestos pitorescos... No meu entendimento, tamanha beleza significa perigo máximo. É ela a principal responsável pelo bom funcionamento da casa, assim como também, quem decide pelas contratações e o tipo de entretenimento a ser propiciado aos seus convidados, pois, orgias em grupo, sodomias e perversões que beiram a sanidade são frequentes.

Hilda serve os clientes do Palácio com as mais belas mulheres de Ytarria, e, não são somente humanas que compõem o grupo de escravas sexuais, existem semi-humanas também, sobretudo, da raça dos elfos, meio-elfos, halflings, gnomos, anãos, orccs, meio-orcs, e centauros. Assim, como a raça não é um delimitador, a idade e o sexo também não são. E, não somente ótimas experiências sexuais são servidas aos frequentadores, mas, também, o consumo deliberado e intenso de várias substâncias alucinógenas oriundas de várias partes do continente.

Cada escravo sexual possui a alcunha de uma flor, e, todos são proibidos de falar, salvo se o cliente assim desejar. E, a senhoria da casa faz questão de saudar todos os visitantes, principalmente, tratando-se de nobres oriundos de outras localidades. Portanto, nada de fita-la nos olhos para não comprometer o nosso propósito.


Ilustração 04:
Marquês Paul Zimmerman de Craine,
principal benfeitor e fiador do Palácio de Noir,
 e, amante de Hilda Noir.
O Marquês Paul Zimmerman é o principal benfeitor e financiador do Palácio, além de ter Hilda como amante declarada. Existem outros clientes na condição de protetores, mas nada se compara aquilo que o marquês se predispõe a fazer em auxilio a sua consorte. A guarda do lugar é toda cedida por ele, e, deve haver pelo menos sessenta homens, dentre eles, humanos e semi-humanos, e a criadagem que é responsável pela manutenção do lugar, a grande maioria também é oriunda de suas propriedades. Quase todas as noites ele visita o lugar, e muitas das articulações políticas desse lado do reino acontecem entre as paredes deste recinto.


Antes que você me questione o motivo pelo qual Eu sei tanto a respeito do Palácio, eu direi sem rodeios, a minha vida antes de sua aparição repentina seguia um curso que tinha como objetivo a minha aceitação junto a nobreza aristocrática deste reino, ainda que fosse somente mais um conselheiro, visto que, ao contrário de ti, eu nunca pude receber um treinamento em combate descente, lançar-me em aventuras grandiosas, salvar donzelas... Nunca gozei de perfeita saúde, e isso foi crucial. Hoje compreendo que talvez essa nunca tenha sido a minha sina, as tais estrelas do heroísmo, pois, compreendi que em mim havia um tato para politicagem e obscuridade das coisas, e, para isso, deveria aprimorar este meu dom. Portanto, desde então, o que tenho buscado é me colocar junto aos ilustres senhores da sociedade megalana, ainda que financiado pelos próprios as minhas participações nesses encontros... Sim, uma vez ladrão, sempre ladrão, jovem."

João de Deus em silêncio sabia que estava lidando com um homem que era um tipo de ladino referenciado por Phartus como um dos mais perigosos, sobretudo, para a sociedade como um todo, um manipulador político. Ainda que Debberus fosse um profissional em busca do seu lugar ao sol, o jovem foi advertido do tipo de atrocidades que esses homens são capazes de realizar em benesse própria sem se importar com as consequências. João se manteve na dele, e, preferiu não opinar sobre o caminho seguido por seu companheiro, certo de que, uma divergência ideológica pudesse prejudicar os seus planos. Ele acreditava que de alguma maneira, o seu companheiro estivesse agindo com honestidade, principalmente, ao relatar particularidades para um desconhecido em tão pouco tempo de convivência, algo que o fez lembrar Heitor Ulbir.

Os dois chegaram ao Palacete das Orquídeas de Noir em uma bela carruagem, guardada por quatro homens, dois que seguiam a frente como batedores e os outros dois na retaguarda, a fim de lhes assegurarem uma passagem tranquila, e, demonstrassem claramente nobreza. Ao longo, do percurso, Jammes ficou a repassar todo o enredo da estória para o jovem. Embora João fosse o fiador da liberdade de sua irmã, era a Debberus que caberia a negociação junto a Hilda. E esse ponto, parcialmente angustiava João, pois, ele esteve durante anos na companhia do Caçador, um dos melhores negociadores que pode observar em ação, ainda que comerciasse somente a venda de animais.

Ilustração 05:
Nas entranhas libidinosas e luxuriantes
 dos Domínios de Hilda Noir.
Ao adentrarem as portas do salão principal do Palacete, um mundo muito diferente do qual João de Deus conhecia se abriu diante de seus olhos, algo inesperado, assombrosamente belo, e, a princípio, inenarrável. Um local ricamente adornado, perfumado, e aconchegante a todos os sentidos. Um grupo formado por belíssimas criaturas desnudas em um palco conduziam uma canção ambiente que inspirava os instintos carnais. Havia comida em fartura, e muitas delas, desconhecida ao seu mediano paladar. A beleza se fazia presente por todos os quatro cantos do lugar. Contudo, foi Jammes que apresentou alguns dos Leões de Chácara que guardavam o lugar - seres que passariam desapercebidos aos olhos encantados do jovem senão fosse o seu companheiro -, eram eles, Gárgulas e Espectros a observarem tudo e todos. Muitos dos homens que ali estavam aparentemente já se conheciam de longa data, cumprimentavam-se e seguiam sem se sentirem intimidados por aquelas coisas, que mais se assemelhavam a peças decorativas do ambiente.

Quando João de Deus vislumbrou a entrada de Hilda Noir a caminhar suavemente de maneira flutuante em sua direção, ele teve o mesmo sentimento de Jammes: tamanha beleza não caberia a uma humana. Ele tentou não olha-la, concentrar-se naquilo que seu companheiro havia mencionado, porém, o que se fazia diante de seus olhos estava muito além do que imaginaria. Uma torrente inesperada de memórias do passado emergiram das profundezas de seu intimo, como se o primeiro encontro com aquela bela mulher houvesse ocorrido a segundos atrás. Ele tentou recompor-se de um choque súbito, como se lhe houvesse faltado ar, mas, era tarde, Ela já havia percebido algo sutil no ambiente... Antes que Debberus pudesse dizer algo, ela pousou o dedo sobre a boca dele, paralisando-o. E, então ela falou olhando diretamente nos olhos de João, como se sussurrasse diretamente em sua mente:

“Vou lhe trazer a mulher que em sonhos tem aguardado por longa data, Infausto Embusteiro, espero que a mesma propicie a você um prazer jamais imaginado”.

Hilda Noir segurou delicadamente a mão de João, conduzindo-o hipnoticamente por salões e corredores diversos do Palacete, passando por inúmeros cômodos, dos quais ele podia ouvir de tudo, ainda que tais sons lhe parecessem longínquos... Ele caminhava como senão fosse pelas próprias pernas, anestesiado ou mesmo embriagado, como se estivesse sonhando, com as vistas estivessem turvas e inebriadas... Queria se impor aquilo tudo, mas era crescente um sentimento de submissão e ardente paixão. Nunca havia sentido algo semelhante.

Quando João de Deus recobrou parcialmente os sentidos, ele estava em um quarto octogonal, ricamente decorado, sem a companhia de Hilda. Entretanto, diante dele estava um grande leito, e, envolta deste, diversas mulheres a rodea-lo deitadas ao chão, estando umas sobre as outras a fitá-lo. Ele olhava a cada uma delas perplexo pela beleza singular... Uma névoa aromática encobria suavemente os quatro cantos. Sentia-se embriagado, mesmo não tendo a lembrança de ter ingerido um pingo de bebida alcoólica desde a entrada. Acreditava que estava sob algum encanto... Poderoso, e do qual ele não conseguia resistir.

Ilustração 06:
A cortesã Laélia
 que serviu a João até o ultimo suspiro de vida,
e, que fatidicamente se revelaria ser Maria,
 a irmã por quem ele buscava reencontrar.
Sentiu quando delicadas mãos percorreram as suas pernas, escalando ofegante a altura de seu corpo. Não as via, mas, percebia-as em sedento movimento. Ele subiu o leito da cama desnudo, sem saber como as roupas haviam lhe sido subtraídas e em que momento... Aquelas mulheres ergueram-se sentadas a volta do leito, admirando-o. Em seu instinto libidinoso e selvagem queria possuir a todas, eram dezenas. Oito delas se ergueram por completo, uma de cada lado do quarto, desnudas, e se puseram a dançar em movimentos cadenciados e envolventes, enquanto as demais sussurravam uma canção ininteligível que funcionava de maneira alucinógena. Quando se deu por conta, estava demasiadamente excitado, deitado sobre a cama, e, sendo agraciado por diversos afagos, olhares, mãos, pernas, bocas e corpos. Era uma sensação tão intensa que o seu corpo estremecia e suava compulsivamente, sem discernimento de nada, completamente envolvido por luxúria.

Inexplicavelmente, uma única mulher tomou o pensamento de João, a única que em meio a toda aquela situação surreal, parecia-lhe concreta, de carne e odor que poderiam ser experimentados em sua plenitude com peculiar familiaridade. Ela lhe propiciou gozar por diversas vezes com uma intensidade jamais experimentada, onde por diversas vezes, ele sentiu como se a própria morte estivesse lhe espreitar a vida, em uma sensação de adrenalina culminante, desenfreada e mortal. O sorriso e o olhar da mulher lhe traziam a lembrança de algo muito bom, a muito desejado, no entanto, aquilo não se conectava a nada em sua mente... Era como se o desejo instintivo do corpo se sobressaísse a qualquer tentativa de racionalização do momento.

Houve um único momento em que João possuía aquela mulher que percebeu no olhar dela um correr de lágrimas, e, de que ela sussurrava em gemidos algo do qual lhe parecia familiar, contudo, inaudível, mas, por fim, associou aquilo ao prazer que ele proporcionava a sua amante, e, seguiu freneticamente sem se importar com nada, enquanto, ouvia nitidamente o gargalhar de várias pessoas, como se estivessem extasiados com aquele espetáculo.

Quando João de Deus recobrou a consciência, era manhã. Uma bela jovem estava deitada sobre o seu corpo, nua, e parcialmente, coberta por lençóis sujos de sangue... Ele não se lembrava de com exatidão os detalhes da noite anterior, mas havia um gosto estranho em sua boca, assim como algo que o perturbava intimamente e que não sabia ao certo decifrar. Ao tentar se desvencilhar da jovem para se levantar, percebeu que o corpo estava frio, sem vida, logo, Ele foi acometido por um terror sombrio seguido de uma sequencia de imagens malditas que se intercalavam em uma conclusão nefasta... João havia possuído Maria até a morte!

Uma voz composta, vinda de lugar algum, sombria e carregada de perversidade rompeu aquele atordoamento de João:

“Pensou que adentraria a minha casa e retiraria de mim aquilo que conquistei sem pagar um preço por isso, João de Deus?! Você veio até aqui em resposta a um chamado dela, um anseio comum a ambos em saber se ainda estavam vivos e por meio de um canal que eu não poderia impedi-los, mas, enfim, o que se seguiria em diante, isso sim, eu teria como contornar. Não somente permiti o reencontro dos irmãos, mas também consenti um último momento de prazer para que relembrassem a felicidade de estarem juntos”.

João de Deus agarrava-se desesperadamente ao corpo de Maria, e, quanto mais a realidade ganhava forma, mais e mais ele afundava-se em total insanidade. Ele tinha que sair daquele lugar imediatamente ou aquilo consumiria a sua razão por um todo. Ele tomou a mulher no colo, buscou forças nas profundezas de seu âmago para se por de pé, e correr em direção a saída do Palacete. Infelizmente, ele não dispunha de tanta força, e, na quinta queda, caído ao chão, sentindo como se estivesse a expelir sangue pelos poros do corpo, repleto de uma dor visceral, ele em prantos vociferou todas as injurias para com o demônio que havia os punido com tamanha chaga.

Ilustração 07:
Debauchery,
o demônio por de trás da encantadora Hilda Noir.
Ao longe ele podia ouvir em coro risos de escárnio.

“Sua ação insensata não foi de todo prejudicial aos meus interesses, e, graças a ela propiciei aos meus clientes um entretenimento do qual eles jamais esqueceram, a história de vós será por tempo indeterminado, lembrada e recontada... Quanto as tuas moedas de ouro, as mesmas pagaram a sua passagem com vida daqui, e um mago branco capaz de encantá-lo com aquilo do qual mais necessita neste momento, o esquecimento”.

Em meio às sombras do quarto, pela primeira vez, João de Deus pôde observar aquilo que o atormentava, que lhe dirigia palavras letais a sua alma, uma criatura demoníaca, encoberta por uma aura maligna de precedentes desmedidos, com a face repleta de uma intrigante satisfação e de olhar perturbador.






O Preço do Milagre é o Esquecimento.

João de Deus foi encontrado a quilômetros da cidade de Craine por Alex Bartô, O Montanhês, debaixo de uma ponte, em maltrapilhos, irreconhecível, agarrado ao corpo de uma mulher, cujo mesmo já se encontrava em adiantado estado de decomposição em função do odor que exalava. Ambos estavam seminus, e, ele mal conseguia falar algo que pudesse ser compreendido, balbuciava palavras desconexas. Quando o Montanhês resolveu passar por ali, um homem que cruzava o seu caminho pediu para que tivesse cuidado e tivesse a sua arma em punhos, pois, um louco, assombrava a região há dias, contudo, ele só não esperava que o tal, fosse o seu antigo companheiro de grupo, o Infausto Embusteiro. Parcialmente paralisado, lágrimas rolaram a face daquele homem ao ter aquela visão penosa, lágrimas que alguns duvidariam a possibilidade de algum dia presenciarem.

Alex Bartô, dias depois após ter ajudado João em sua partida do grupo de Heitor, passou a ter pesadelos como se a vida do companheiro estivesse em risco, a, princípio ele relevou aquilo, mas à medida que aquela coisa cresceu e perturbou o seu desempenho no cotidiano, o Montanhês acreditou ser algum tipo de presságio. Ao relatar isso a Heitor, e demais pormenores das intenções de João - que partirá do grupo em busca de Maria no Palacete das Orquídeas de Noir -, o Caçador não titubeou, pediu para que Alex fosse o mais breve possível ao encontro do ex-companheiro, e, o ajudasse naquilo que fosse preciso.

Quando João de Deus viu Alex Bartô, ele em sua insanidade achou que o mesmo queria tirar o corpo de Maria de seus braços. Ele ficou muito agitado, agressivo e partiu para ataca-lo.

Tardou um pouco para que o Montanhês percebesse que seriam necessários mais do que alguns golpes atordoantes para paralisar João, pois, aquilo que ele estava a enfrentar era de longe o rapaz de bom coração, honesto, e de coração mole que por diversas vezes demonstrou ser em sua companhia. Estava diante de uma fera afundada em tormentos desconhecidos. Por mais que Alex fosse um hábil combatente, algo mantinha João de pé e enfurecido, e, senão fosse pela intervenção surpresa de Phartus, algo de muito pior teria acontecido naquele fim de tarde.

O meio-elfo ladino achou estranha à partida repentina do Montanhês do acampamento onde o grupo estava concentrado, e, movido por sua curiosidade, resolveu verificar por conta própria do que se tratava. Ele surgiu justamente no momento em que suas flechas se fizeram necessárias para salvarem a vida de Alex do possível fim, e, para abaterem João de Deus que desfaleceu ao chão babando e grunhindo sons impronunciáveis.

Alex e Phartus amarraram João de Deus, e colocaram o seu corpo sobre o lombo de uma das montarias. Ambos concordaram que um deles deveria ficar para enterrar o corpo da mulher, e, nesse sentido, Phartus compreendeu que isso caberia a ele, pois, era o mínimo que poderia fazer pelo ex-companheiro de aventuras e aprendiz. João deveria ser levado às pressas para ser tratado e curado, pois, somente os estancamentos dos ferimentos não garantiriam a sobrevida dele.

O Montanhês se lembrou de que havia na cidade de Raphael alguém que poderia ajudar João de Deus, e, que forçando a cavalgada poderia chegar lá em menos de um dia. E, assim ele o fez, forçando ao máximo o seu cavalo.

Ao chegar à cidade de Raphael, muito cansado e faminto, Alex Bartô não se deteve foi diretamente ao encontro do único homem que conhecia e que poderia curar o companheiro de todas as moléstias que o afligiam. João de Deus quase não tinha sinais vitais quando lá chegou, e o corpo estava demasiadamente debilitado. Somente um milagre o salvaria da morte certa. Felizmente, a cura foi possível e em alguns dias o jovem Embusteiro estava de pé, contudo, houve um preço a ser pago: a memória de João de Deus nunca mais foi a mesma, tendo algumas coisas de sua vida anterior aquele momento se perdido para sempre.

“O nome Maria sempre me soou agradável... Sei lá, talvez algum dia quando tiver uma filha, Alex, eu coloque esse nome nela. Sempre me lembro do conto dos dois irmãos que se perderam em uma floresta, foram iludidos e capturados por uma bruxa, e em meio a tantos perigos passados juntos, o seu espírito de fraternidade sobressaiu aos desafios”.

Conquanto, João de Deus tivesse retornado ao grupo de Heitor Ulbier, era como se ele não se sentisse mais parte daquilo, e, não tardou para que o jovem partisse, sobretudo, após a morte do amigo Alex Bartô, que não sobreviveu ao ataque de uma criatura mortífera que habitava uma região da sombria Floresta Negra ao qual desbravavam em mais um trabalho. Os seus anseios do jovem permaneciam quase os mesmos de quando partirá pela primeira vez: queria ser reconhecido como um herói; obter a fama dos grandes heróis de Ytarria, fazer fortuna e possuir várias mulheres, embora, uma não lhe saísse da cabeça. E, a essa única mulher que lhe perturbava os sonhos, estranhamente não podia ser descrita, a quem ele atribuía tratar-se do verdadeiro amor, e à necessidade de ter todas quanto pudesse até encontrá-la.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

RPG: Aventuras em Yrth - Saga dos Bravos de Orion - João de Deus - Parte I


João de Deus, O Infausto Embusteiro.
Natural do Reino de Caithness (Continente de Ytarria).
Nascido sobre o signo de Áries
Ofício: Ladrão/Mercenário


Prólogo de um Herói

Ilustração 01
Outrora este era Nárccio Narcellus de Denton,
que futuramente seria conhecido por toda Ytarria,
 como “João de Deus”, O Infausto Embusteiro.
Nárccio era o filho caçula de uma família de miseráveis camponeses que vivia no condado de Simonton (Reino de Caithnness) nas proximidades da fronteira entre o reino de Caithness, o Grande Deserto e a Grande Floresta.

Poucos anos após o nascimento de Nárccio, o Conde Walton de Simonton nada satisfeito com os tributos recolhidos de seu povo e os recorrentes assaltos as suas caravanas mercantis que percorriam o Rio Smoke, resolveu baixar um decreto nas quais todas as famílias que estavam a viver em seus domínios deveriam lhe prestar uma singela homenagem como desculpas pela incompetência de sua produção e o desagrado ao seu senhorio. E, essa oferta a maior era a entrega de seus filhos homens.

Era sabido pela mãe de Nárccio, que trabalhava dentro do palacete do Conde, que o mesmo não tinha boas intenções com os filhos. Pois, eram frequentes os rumores entre os servos de que Walton molestava com violência sexual os mais novos. Tendo muitos dos corpos desses inocentes jogados ao canil como alimento aos cães de sua guarda, assim como também a transação comercial dos sobreviventes e dos mais velhos como escravos para alguns nobres dos baronatos vizinhos de Denton e Ferrier.

Antes que os soldados deixassem o palácio do Conde a fim de cumprirem a ordem superior que lhes foi delegada, Mayrah partiu ao encontro de seu esposo, Joan Narcellus, para lhe dizer que restava pouquíssimo tempo até que os meninos fossem lhes tirados do braço para uma atrocidade maior, e, que, portanto, se fossem fazer algo eles não deveriam tardar mais.

Joan Narcellus conseguiu uma montaria, alguns mantimentos, e, antes que deixasse furtivamente o condado, ele foi abordado por João de Aggorá – uma pessoa a qual Joan nutria grande respeito e admiração, pois sempre viu nele um amigo -, e em soluços este homem aparentemente forte, o suplicou:

- Joan não sei para onde levarás o seu pequenino, mas bem sei que é para buscar algo melhor do que estes muros podem ofertar, portanto, não me falte nessa hora, meu amigo, pois, sei que não tardará para que o Conde e seus vassalos venham requerer a minha pequena Galiul, que no próximo ano estará a completar treze primaveras. Por favor, eu lhe imploro. – João se pôs de joelhos com lágrimas nos olhos e agarrados a calça de Joan.

Joan, comovido por tal gesto, prontamente colocou o amigo de pé, e aceitou sem pestanejar o seu apelo que lhe fizeram marejar os olhos.

Antes que amanhecesse por completo, Joan partiu acompanhado de seu filho e da filha de João. Ele tinha conhecimento de que o local mais seguro a se seguir seria em direção a cidade de Nova Jerusalém no reino de Mégalos fazendo o percurso às margens do Rio Smoke, contudo, sabia também que a rota não era fácil. Pois, o mesmo já havia feito este trajeto em outros momentos na condição de carroceiro mercante, e por várias vezes o grupo em que esteve foi abordado por ladinos errantes.

Joan se esforçava ao máximo para não denunciar a passagem deles, contudo, ele não havia sido treinado para aquela tarefa, e para aqueles que já estavam na rota ha muito tempo, e, sobreviviam de atos sórdidos e ilícitos, não tardou para que houvesse os primeiros encontros. Em menos de cinco dias de cavalgada ele e as crianças conseguiram escapar de duas abordagens diretas, mas, no décimo terceiro dia os três foram apanhados de surpresa por um grupo de cinco goblins e três cães liderados por um meio-orc. Ele só teve tempo suficiente para montar as crianças no cavalo e dar ordem para que seguissem direto, enquanto ele enfrentava corajosamente munido apenas de sua espada curta aqueles hostis ladinos.

Desde a partida de Simonton até aquele momento crucial de separação, Galiul (12 anos) já se sentia a cerca de pouco mais de uma semana como se fosse a mãe do pequeno Nárccio (3 anos) tomando para si a responsabilidade de cuidar dos dois.

Galiul fez como Joan havia lhe dito: seguiram com cautela pelo caminho as margens do Rio Smoke, sempre tentando se afastar ou se esconder de grupos e possíveis criaturas que se aproximassem, até que alcançaram a pequena cidadela de Donlis, desprovidos do alazão em função do mesmo ter adoecido devido ao esforço da jornada. Antes de se separarem, o pai de Nárccio ainda a orientou de que quando chegassem ao próximo povoado deveriam se dirigir rapidamente a Casa de Deus, e pedir acolhimento ao santo padre, e, lá aguardassem pela chegada dele. Contudo, caso ele demorasse em aparecer, deveriam os dois pedir ao padre que os encaminhassem com segurança para a cidade de Nova Jerusalém em Mégalos a um lugar chamado Casa das Crianças de São Miguel (Doce Lar dos Órfãos de São Miguel Arcanjo).


O Fitar Fascinante das Chamas

Ilustração 02
O Clérigo Dom Clemêncio Gárdio
 da Igreja de São Clementino da Luz em Donlis.
Na cidadela de Donlis, Galiul e Nárccio seguiram para Casa de Deus - a Igreja de São Clementino da Luz -, onde foram acolhidos por um monge chamado Dom Clemêncio Gárdio. Nessa igreja havia outras dez crianças, mas elas aparentemente não eram felizes, e, não tardaria para que os dois novatos descobrissem os motivos dessa infelicidade.

Dom Clemêncio, era um homem temido pelo conhecimento que detinha das pessoas, e de como os dominava, por meio de uma língua afiada que rivalizava com a do próprio diabo. Conseguia com facilidade obter daqueles que o procuravam os seus segredos mais profundos, tornando-se assim, servos incondicionados. Pouquíssimos se arriscavam a desafiá-lo, e, quando o faziam eram sentenciados a morte pelos demais populares. Dono de uma fortuna e uma quantidade de terras considerável, ele vivia uma vida muito diferente de um monge religioso, pelo contrário, vivia em constante pecado. Tinha muitos filhos dentre as camponesas, molestava crianças, jogava compulsivamente, cometia assassínios, e, embriagava-se com certa frequência.

Dias se passaram, assim como semanas e meses, e nada de Joan surgir para leva-los embora daquele lugar. E antes que Galiul e Nárccio pudessem escapar das garras de Dom Clemêncio, eles foram rebatizados como Maria e João de Deus, pois era dessa maneira arrogante que o monge se referia a todos os seus filhos bastardos que viviam debaixo do mesmo teto. Todos aqueles que o desafiavam eram duramente açoitados, humilhados e repreendidos.

Bem antes de Galiul completar as suas treze primaveras, ela ganhou de presente de Don Clemêncio a sua primeira e agourenta relação sexual. Nárccio não sabia ao certo o que se sucedia por não estar nas mesmas dependências de sua amiga, mas chorou copiosamente ao ouvi-la em prantos, os seus gritos de dor que ecoavam pelas paredes daquele lugar abominável, e onde por entre as fretas só lhe era permitido ver as indecifráveis e vultosas sombras que se moviam assombrosamente ao dançar das chamas nas tochas presas a parede do cômodo enquanto o horrendo ato era consumado.

Ilustração 03
Galiul de Aggorá “Maria de Deus”,
 amiga e responsável pela vida de Nárccio.
Horas se passaram até que Galiul foi levada desacordada para junto das demais crianças. A sua roupa era uma vestimenta em trapos que mal a cobria, sua pele havia sido açoitada, e, entre as suas pernas corria uma sangria descomunal. A mulher mais velha que a trouxe em seus braços disse fitando Nárccio nos olhos:

- Cuidem vocês dela, crianças imundas, e, logo, antes que ela morra pela displicência de vocês! Tenham a certeza de que se isso ocorrer o pai não será tão generoso!!!

Todos aquelas sofridas e estranhas crianças se mobilizaram para tentar cuidar de Galiul, dos mais novos aos mais velhos. Nárccio, como ainda era muito pequeno estava sob os cuidados de uma criança mais velha, e juntos assistiam a recuperação da outra que se manteve desacordada por dias sobre a cama, até que acordou durante a noite em um acesso de febre e delírios que assustou a todos. Naquela mesma madrugada, a menina foi levada por um carroceiro a pedido do monge para um lugar desconhecido onde seria medicada e tratada.

Semanas se passaram até que Galiul retornasse a Igreja de São Clementino da Luz. O olhar da menina estava disperso no infinito, o andar desajeitado e amedrontado, somente reencontrou firmeza e direção quando pôde ter Nárccio nos braços. Todas as demais crianças a abraçaram calorosamente. O retorno dela também foi apreciado por Dom Clemêncio que três noites depois de sua volta, exigiu-a novamente em seus aposentos, revezando ela com outras cinco desafortunadas meninas.

Uma das meninas mais velhas que durante muito tempo tramava as escondidas uma vingança contra o monge, convidou Galiul a fazer parte de um plano mortal, algo do qual ela não hesitou fazer parte em compor. Quase um ano se passou após essa decisão. Até que em uma noite de inverno algo triunfal aconteceu...

Todo o grupo de revoltados se reuniu em uma árdua e perigosa tarefa que consistiu em dominar os domínios do clérigo. Primeiramente, as meninas se insinuaram para os capangas, e, quando estes seduzidos se distraíram afoitos em possuí-las, eles foram repentinamente desacordados por pancadas certeiras na parte de trás da cabeça. Depois, seguiram se as mulheres mais velhas que viviam com o monge, e que foram dopadas com ervas e amordaçadas junto as colunas do cômodo que era a dispensa. Por último, e, não menos importante, o grande algoz – Dom Clemêncio -, que também foi seduzido, embriagado, preso com grossas cordas, e posto de costas com as suas pernas arqueadas em seu leito de modo que pudesse sentir por meio de seu orifício anal toda a dor que ele promoveu em anos aos seus inúmeros filhos bastardos... Nem todos preferiram ficar até o término do espetáculo, aproveitaram o momento para se evadir do lugar (era madrugada). Contudo, Galiul não se sentiria realizada se partisse antes da consumação de todo o plano. Ela ajudou a espalhar os tecidos rasgados, a quebrar os móveis de madeira e jorrar o óleo inflamável sobre as peças.

Enquanto a igreja e o casarão anexo eram consumidos rapidamente pelo fogo que se alastrava facilmente, as crianças afugentadas e felizes corriam pelas ruas de Donlis, e, alguns dos moradores que moravam ali próximo, embora demonstrassem espanto com o tamanho das labaredas que rasgavam o céu, nada fizeram para tentar impedir aquele incêndio, como se aquele evento já fosse durante muito tempo ansiado. As duas crianças assistiam concentradas aquele espetáculo de ardência. Nárccio olhava para as chamas como se estivesse hipnotizado, e, isso de certa forma também se multiplicava no olhar de Galiul, que falou quebrando aquele relativo silêncio somente abalado pelo barulho do desabar das estruturas e dos gritos quase inaudíveis oriundos do interior daquele lugar que um dia fora a morada deles:

- Nós temos que amar as chamas, João, pois, elas consomem tudo, inclusive a dor das lembranças.


Em busca de um novo começo

Após o episódio do incêndio da igreja, as crianças de São Clementino da Luz foram convidadas pelos moradores da cidadela de Donlis a se retirarem o mais breve possível, antes que alguém viesse reivindicar vingança ou apurar os fatos. Os populares inclusive custearam uma passagem de barcaça através do Rio Smoke para além das fronteiras de Caithness.

Desde o incidente do primeiro estupro, Galiul nunca mais foi a mesma, tanto que ela se esquecera de seu nome – ou preferiu não mais lembra-lo -, referindo-se a si mesma como Maria de Deus, e, assim também o fez com Nárccio, a quem passou a chamar de João de Deus. Desde o seu retorno ao casarão, eram frequentes os pesadelos ao longo da noite, nos quais acordava muito assustada e choramingava a tragédia vivida. João não entendia a enfermidade que a sua amiga vivia, mas sabia que o seu abraço em muito a confortava. Os dois só tinham um ao outro, e, por tal motivo, ela o defendia com unhas e dentes, mesmo quando ele estava errado.

Na viagem pelo Rio Smoke, João e Maria conheceram Jammes Debberus, um homem de aparência misteriosa, que fazia uso de um tapa olho na vista esquerda, cuja habilidade especial dele era se misturar em meio a multidão de maneira a se fazer desapercebido, e que ao longo de todo trajeto se aproveitou de tal artifício para saquear um a um daqueles passageiros que usufruíam do transporte fluvial. Assim, que esse misterioso ladino foi abordado e inquirido por Maria, ele se sentiu ameaçado e compelido a sair imediatamente daquele lugar, antes que algo de pior lhe ocorresse. No dia seguinte, Jammes evitou perambular pelo convés da barcaça abrigando-se em um esconderijo improvisado, e, assim se manteve ao longo de quatro dias. No entanto, quando a sua compulsão em roubar apitou estrondosamente em sua mente, ele sai desesperadamente daquele fétido cubículo, porém, as duas crianças já o aguardavam para seu desconforto total. Nervoso e fora de si, ele tomou os dois pelos braços, e, caminhando em passos acelerados os carregou em direção ao fundo da barcaça disposto a arremessa-los no rio. Eis que nesse momento, a menina começou a gritar de maneira estridente e incessante por:

- Papai! Papai! Papai! Por favor, não nos bata! Prometemos não fazer mais nenhum tipo de mau criação... – Maria, esperneava e batia os pés enquanto era puxada firmemente pelo braço.

João ao ver aquilo, também começou a imitar a sua irmã. E, logo os três atraíram a atenção de alguns tripulantes que logo se aproximaram para averiguarem o que se passava. Jammes se viu totalmente acuado com vários olhares pousados sobre ele... Isso o deixou atônito e trêmulo. Maria ao perceber o que a sua ação desencadeou naquele homem esguio e estranho, rapidamente simulou uma espécie de perdão, abraçando-o.

Ilustração 04
Jammes Debberus, O Ladino de Face Enigmática.
As pessoas com o tempo dispersaram os olhares dos três. Porém, para Jammes o seu trabalho naquela barcaça havia se encerrado, uma vez que seu rosto tornara-se conhecido. Desolado ele foi para um canto, e lá ficou a esperar até que a embarcação atracasse no próximo cais para descer. João e Maria a partir daquele momento o seguiram por todos os lados, mantendo-se próximos a ele. Por mais que em sua mente lhe ocorresse à possibilidade de assassinar aquelas duas criaturas peçonhentas que arruinaram o seu trabalho de meses, este era um ladino incapaz de matar alguém, a não ser que este último o colocasse em uma situação de extrema tensão.

A alguns dias de viagem da cidade de Craine, Jammes desceu no cais de um grande vilarejo, e, como senão bastasse, João e Maria o acompanharam sem o seu consentimento. Ele entrou em uma estalagem, pediu um quarto, e, do alto na janela frequentemente passava o olhar observando os dois que montaram guarda em frente ao local onde se alojou. Aquilo o deixou bastante agoniado, e tinha que arranjar uma maneira de se desvencilhar deles antes que arruinassem a sua vida.

Durante oito dias Maria e João ficaram próximos a estalagem, mendigando refeições na rua, dormindo ao relento e tentando observar o seu alvo, sem perder o foco. Contudo, no término do último dia, quando o dono do local foi abordado por Maria em prantos avisando que aquele homem era o pai desnaturado deles que durante muito tempo estava fugido de casa, o senhorio da hospedaria comovido falou que aquele viajante havia pago por dois dias, mas que, no final do primeiro já havia partido sem deixar rastros, Maria ficou pasma e desnorteada com aquela informação.

Hilda Noir, uma belíssima mulher que estava de passagem naquele vilarejo, e de partida da hospedaria naquele momento não pôde deixar de ouvir a história contada por Maria para o Senhorio do lugar, e, sobretudo, como a pequena havia ficado assombrada com a notícia de que o pai mais uma vez tinha abandonado a eles. Ela esperou ficar a sós com os dois para oferecer uma oportunidade de vida:

- Jovem, desculpe minha intromissão – retirando um lenço da bolsa e enxugando as lágrimas da face de Maria -, mas não pude deixar de ouvir a triste história de sua família. Confesso que em muito me tocou, pois, também se assemelha a minha própria que ainda muito cedo também me tornará órfã. Vejo que você e o seu irmão não parecem ter muita coisa além das vestimentas em frangalhos que trajam, sendo assim, gostaria de lhes pagar uma refeição e aproveitar o momento para conversarmos sobre a possibilidade de mudarem de vida.

Embora Maria se sentisse receosa em aceitar o convite de Hilda, ela estava com muita fome, e, ficou ainda mais compelida em fazê-lo pela vida de João. À medida que os dois irmãos se alimentavam, A distinta senhorita aproveitava para contar lhes a história de sua vida, algo tão comovente, agourento e maldito como os dias deles em Donlis, o que fez com que a menina desse crédito para aquela mulher de olhar penetrante e beleza intrigante, ao ponto de se dispor aceitar qual fosse a oportunidade que a mesma tinha a lhes oferecer.

A proposta de Hilda era que Maria se tornasse uma de suas damas em sua morada na cidade de Craine, e o seu irmão enquanto não tivesse idade suficiente para exercer alguma atividade no lugar, ficasse juntamente com as demais crianças filhos de servos do seu lorde. A proposta agradou a Maria, que estava convicta de que aquela mulher tinha o melhor a lhes oferecer.

Quando a carruagem de Hilda Noir correu as ruas em direção à saída do vilarejo, Maria ainda aproveitou para dar uma rápida observada na cidade a fim de avistar o estranho homem que os tinha colocado naquela situação. No entanto, o seu desejo não foi correspondido, e, o seu agradecimento se deu em silêncio, seja lá quem ele fosse.


Dias e Noites sob as Graças de Noir

Ilustração 05
A belíssima Cortesã, Hilda Noir,
 Senhora do Palacete das Orquídeas de Noir.
Em Craine, Maria tomou conhecimento de que ela era mais uma dentre muitas outras jovens garotas que serviam a cortesã Hilda Noir e ao seu consorte, o Marquês Paul Zimmerman. Um grupo formado por cerca de quarenta mulheres que serviam aos interesses lascivos do casal, cujo trabalho delas era propiciar prazer sexual das mais variadas e inimagináveis formas aos convidados da corte. Mais uma vez Maria se viu ludibriada por mentiras e emboscada, pois, nesse contexto, João lhe foi retirado dos seus cuidados e feito refém.

Com o tempo, Maria ficou sabendo que as crianças eram mantidas em um casarão distante da cidade, de propriedade do marquês, e que lá eram aproveitadas para os afazeres domésticos em regime escravocrata. Havia rumores de que as crianças que não se adaptavam a nova vida eram comercializadas. As meninas bonitas e de agrado de Hilda eram trazidas para servirem no palacete, enquanto que os meninos mais leais eram libertos e contratados para servirem a tropa pessoal do marquês, quando não seguiam seu próprio caminho.

Maria tinha receio de que João viesse a saber no que ela havia se tornado, ou ainda, que o mesmo fosse trago para trabalhar naquele lugar – O Palacete das Orquídeas de Noir. Ela não se conformava com aquele tipo de vida, mas não podia demonstrar desagrado, sobretudo, diante de algum convidado, pois, os piores castigos aplicados por Hilda eram voltados contra o seu irmão.

A maioria das meninas que trabalhavam no palacete estava ali em situação semelhante à de Maria. Jovens que foram arrebatadas abruptamente de seus lares ainda muito novas, compradas como escravas para garantir a renda de familiares necessitados, desalmados ou desafetos; meninas que foram seduzidas por estórias de sofrimento e que se transformaram em algo infinitamente melhor; e, jovens que tiveram seus bebes retirados de seus braços e conduzidos a seguir um caminho distante, mas sob a promessa de que o seu esforço entre as quatro paredes do Palacete estaria a garantir a prosperidades de seus amados rebentos. Dependendo do comportamento e da renda propiciada ao longo de um período ao Palacete, os senhorios permitiam as suas servas um dia de reencontro com os familiares próximos, sobretudo, as crianças, contudo, sempre na companhia de um guarda do marquês.

Para não serem abatidas pela depressão, stress e outros infortúnios decorrentes da alma fragilizada, Hilda distribuía entre as suas servas uma poderosa droga alucinógena chamada de Acalanto de Morfeu. E, está foi uma solução adotada por Maria para calar a dor que rompia em seu peito. Pois,ao contrário das crianças da Igreja de São Clementino da Luz, suas novas companheiras não se sentiam tão abatidas por ali estarem condicionadas a escravidão sexual ao ponto de se rebelarem e fugirem, uma vez que, muitas delas antes daquele lugar estavam em situação bem mais precária. O fato é que, muitas delas encontraram no Palacete das Orquídeas de Noir todo o conforto e segurança que talvez nunca sequer almejassem em sonho.


Promessa de Morte

João de Deus tinha um dom empático com os animais surpreendente que o tornou querido entre os seus companheiros, e, todavia, invejado por outros, dentre esses estava Luzmmonarca, um dos filhos bastardos do Marquês Zimmerman e um dos responsáveis pela ordem entre os vassalos que viviam na propriedade.

Ilustração 06
Luzmmonarca, o Algoz de João de Deus
 na fazenda do Marquês Zimmerman,
 além de um filho bastardo deste último.
Luzmmonarca se aproveitava da hiperatividade de João para castigá-lo, e quando o mesmo não dava motivos para tais condenações, o seu carrasco criava situações para fazê-lo. Geralmente, ele o açoitava o torturando psicologicamente com maledicências do tipo:

- Quem pensa que és João do Diabo?!?! Aqui és somente mais um filho desgarrado de uma das rameiras que trabalham e vivem no Palacete Luxurioso de Madame Hilda, prostituindo-se, bebendo e comento do bom e do melhor, enquanto você e todos os outros estão aqui para assegurar a mordomia de mulheres que vivem em pecado e que não percebem o martírio diário para aqueles que estão do outro lado destes muros tenebrosos, distantes, e solitários! Seu verme miserável, aqui sou aquele que lhe permitirá a vida, portanto, respeita-me com o louvor de um servo fiel!

João não entendia algumas das palavras proferidas pelo seu malfeitor, assim como também o motivo de sua revolta para com ele, mas o que mais lhe feria não era a dor produzida pelos açoites incessantes de Luzmmonarca, porém, a distância imposta entre ele e a sua irmã, Maria, cujo desconhecia o paradeiro, senão por aquilo pronunciado pelo seu algoz.

Passado cerca de um ano após a sua chegada a fazenda, João de Deus e um grupo de crianças selecionadas por uma mulher desconhecida foram conduzidos para fora da propriedade onde eram mantidos cativos por meio de algumas carroças em direção a um suntuoso palacete recolhido as margens de uma grande cidade do reino – Craine. Quando lá chegaram, eles foram deixados livres em um pátio interno, obscuro, ricamente adornado com estátuas de mulheres nuas, plantas exóticas, grama verdejante, e, vigiados por pavorosas criaturas que se assemelhavam a homens, mas não eram completamente humanos, por terem como características: cascos nos pés, calda, chifres sobre a testa, focinho e um olhar penetrante.

Quando as crianças ouviram um peculiar ranger de portas, oriundo de um dos lados do pátio, e delas surgirem mulheres pelas quais aguardavam revê-las ansiosamente por infindáveis dias, logo, os pequeninos correram desesperadamente em direção das jovens como se as suas vidas dependessem daquele encontro. João de Deus, quase não reconheceu Maria, pois, suas feições, a silhueta de seu corpo e o seu olhar eram outros – algo havia mudado em sua irmã -, contudo, o olhar e o sorriso da jovem ganharam a forma típica da lembrança quando ela o viu, acolhendo-o em seus braços em um afago longo e choroso.

Daquele dia e das palavras pronunciadas por Maria carregadas de emoção, João de Deus lembrava-se claramente da promessa feita por ela olhando dentro de seus olhos, com os mesmo repletos de lágrima:

- Ainda não sei como nos tirar deste lugar, e longe das garras dessas pessoas, mas prometo que tenho buscado todos os meios possíveis para nos ver livre disso, e voltarmos a ser uma família novamente.

Com um forte abraço, aquele momento e aquelas palavras foram encerradas em um silêncio que perduraria por tempo inimaginável. João de Deus era muito jovem para compreender todas as dificuldades que os envolviam, mas de algo tinha certeza: que gostaria muito de estar ao lado de Maria.

Na fazenda do Marquês Zimmerman, João cresceu sobre um clima que alternava constantemente entre estima, indiferença, respeito, inveja, preconceito, hostilidade, tranquilidade, violência, e batalhas diretas.

Transcorrido cerca de dois anos após o encontro com Maria no distante Palacete na Cidade de Craine, Luzmmonarca, em uma posição destacável, chamou a sua presença João, para encher seus ouvidos com uma infausta mentira que mudaria para sempre a sua vida dentro daqueles muros:

- Morreu já faz uns três dias a sua benfeitora, João, e, acredite, não foi algo tão agradável de se presenciar, pois, ela já agonizava há semanas sob o um leito afastado das demais rameiras, de modo que não contagiasse para as demais companheiras... Dizem que Ela havia sido contaminada por uma doença que somente as mulheres de sua laia poderiam proliferar, alguma coisa que se devia ao fato delas abrirem as pernas para tudo quanto é tipo de criatura que tenha um falo.

Pasmo, João desacreditava insistentemente naquela noticia balançando a cabeça em sentido de negação. Ele estava incrédulo quanto aquelas palavras vindas de seu algoz. Contudo, a farsa também era sustentada por alguns outros que ali estavam, e, Luzmmonarca para reforçar ainda mais aquele estado de choque em sua vitima, empurrou um baú com os pés para próximo de João.

- Aqui estão alguns pertences pessoais dela, cujas companheiras recolheram e guardaram para lhe entregar. Dúvido, verme, que algo lhe sirva, mas se quiser fazer uso, saiba que aqui na fazenda outros entenderam.

João de Deus saiu daquele cubículo em prantos e com o baú de Maria abraçado contra o peito. Ele tinha certeza de que aquele item pertencia a ela, pois, o cheiro que ele exalava lembrava o perfume que ela possuía em seu último encontro, algo que remetia o pensamento a uma delicada flor existente no jardim da marquesa.

Esse tipo de mentira era algo que o Marquês Zimmerman tinha como prática para garantir que os seus vassalos mais jovens não desviassem a atenção do trabalho dentro de suas propriedades feudais, ou ainda, que se aventurassem desnecessariamente por caminhos obscuros e mortais que compreendia a derradeira verdade. E, o que geralmente acontecia com sucesso entre as crianças, ainda que por meio de um estado catatônico de conformidade a aflorar na adolescência.

Deste dia em diante João de Deus mudou. Passou a almejar mais do que tudo a paz e a liberdade pela qual Maria tanto buscou para os dois. E para isso, ele evitaria cometer qualquer falha que pusesse a sua vida em risco, porém, esforçar-se-ia ao máximo para abandonar aquela vida de amargas migalhas e dissabores para sempre.


Despedida de um Inferno

No término de sua adolescência, João conheceu ainda na fazenda do marquês um homem chamado Heitor Ulbier, este além de um exímio fornecedor e tratador de animais, tinha também um dom para reconhecer talentos natos, algo do qual ele falou as escondido no pé de seu ouvido. O caçador de animais costumava se dirigir a fazenda em um intervalo de quatro à seis meses para negociar as melhores montarias que dispunha com o milorde Zimmerman. De certa forma, aquele apreço oriundo daquele homem nutriu algum tipo de esperança no âmago de João de Deus.

Ilustração 07
Heitor Ulbier, O Caçador de Animais que
 libertou João de Deus dos muros de Zimmerman
 e o introduziu em uma vida de aventuras.
Ulbeir trabalhava com uma equipe de homens e semi-humanos que o acompanhavam em suas arriscadas aventuras. E, sempre que o Caçador de Animais estava na fazenda, João tratava de se aproximar para ver o que ele trazia de novo em sua bagagem, além da oportunidade de ouvir seus impressionantes relatos.

Luzmmonarca e Heitor Ulbier não se gostavam. De fato, o primeiro não gostava de ninguém, e, era mal reputado entre os empregados da fazenda de Zimmerman, por inúmeros crimes, sobretudo, abuso de violência, maus tratos, estupros e mortes. O algoz de João tratava o caçador como um fanfarrão, dissimulado, mentiroso e caloteiro, ainda que no fundo nutrisse por ele um desmedido sentimento de inveja. Embora houvesse esse desafeto, quem estava acima daquela rincha pessoal entre os dois se colocava a favor de Ulbier, que era o próprio Marquês, que embora conhecesse bem o mercador e a fama que o precedia, nunca viveu com ele nenhum atrito que o desabonasse.

A afinidade de Ulbier com João de Deus tomou tamanha proporção que o caçador em certa negociação com o marquês propôs a troca de alguns animais pela vida do jovem, Como milorde Zimmerman nunca foi alguém apegado a pessoas, exceto a sua amante Hilda Noir, não hesitou em aceitar o trato. Essa negociação aparentemente pacifica entre as partes tomou uma proporção dantesca ao chegar aos ouvidos do bastardo que conhecia o faro apurado de seu inimigo e também a habilidade de João, que era naquele lugar o mais habilidoso no tratamento dos animais. Sendo assim, Luzmmonarca tinha que tomar uma atitude antes que o dia amanhecesse e eles pudessem partir.

Naquele mesmo dia já pela madrugada, Luzmmonarca foi juntamente com mais dois dos seus comparsas até o cômodo onde ficavam alojados os homens da fazenda para sequestrar João de Deus. E, assim eles o fizeram, arrancando o jovem a força da cama a qual descansava, prendendo firmemente os seus braços e amordaçando a sua boca. João ficou sem entender o que se passava por algum tempo, enquanto ele era arrastado pelos braços, até que se deu conta de que aquele gesto violento de seus agressores estivesse vinculado a conversa que ele havia tido horas atrás no cair da noite com Ulbier, que na ocasião o questionou:

- Você está preparado para viver como um desbravador de aventuras, filhote?

E João de Deus bem se lembrava de que maneou a cabeça em afirmação a pergunta, consentindo com o desejo de ser aquilo que Ulbier pressentia ser o seu futuro longe daqueles muros. O Jovem com um sorriso trêmulo, em função do sentimento ambíguo de felicidade e temor ao horizonte de possibilidades que lhe afrontavam o pensamento lógico.

João sentiu quando o seu corpo foi arremessado sobre o lombo de um cavalo de qualquer jeito, e, antes que o cavaleiro pudesse montá-lo para partir em fuga, o pequeno grupo de sequestradores foi abordado por um outro bando de desconhecidos, que na penumbra da noite se limitavam a sombras e vozes abafadas por capuzes, cujo o que se falava não era muito bem compreendido. Não tardou para que um combate entre os captores de João e o outro grupo inicia-se, de maneira rápida e mortal.

Quando João de Deus se deu conta, sendo desvencilhado das cordas e mordaças que o prendiam por mãos alheias as suas, ele percebeu que o outro grupo que havia intervido a ação de Luzmmonarca não eram desconhecidos, e sim, eram parte dos homens que seguiam Ulbier em suas empreitadas. E, ali mesmo ficou sabendo de que aquela fatalidade somente aconteceria se o seu captor hesitasse lhe entregar, não por vontade de Ulbier, mas do próprio Marquês. João de Deus olhou para o que havia sobrado de seu algoz jazido no chão sem vida, e, se espantou com a profundidade dos cortes, que por muito pouco não o decapitaram.

Os restos de Luzmmonarca e de seus comparsas foram arremessados em um uma profunda trincheira encoberta por água próxima aos muros da propriedade do Marquês, que era conhecido por estar infestada de piranhas mortíferas e insaciáveis.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

RPG: Aventuras em Yrth - Diabruras em Culto a Dionísio - Introdução

A Profanação do Sagrado



Ilustração por James Wolf Strehle.
O Templo Sagrado de Dionísio no
Baronato de Lacquoa (Cardial), e que
dias antes da tradicional festa em
homenagem a divindade fora profanado.
Por volta do ano de 2033 um fato extraordinário e de mau agouro aconteceu no feudo do Barão Mariuns Lacquoa, algo que surpreendeu a todos os habitantes que povoavam a região conhecida como as Serras Helênicas que margeiam o Lago Alfir: O Baronato de Lacquoa estava às vésperas de celebrar mais uma Dionísa - festa anual em homenagem a Dionísio, uma das divindades patronas do lugar -, quando pelo início da manhã antes dos asseclas do Deus retomarem os trabalhos de preparação dos locais onde os sagrados ritos ocorreriam, eles se depararam com as oito sacerdotisas correndo completamente despidas pelas ruas, becos, vielas, pastos, jardins e escadarias da região. O que causou mais alvoroço e temor entre a população foi o fato de tomarem conhecimento de que as virgens consagradas à divindade – ainda no início de seu afloramento -, haviam sido molestadas dentro do Templo Sagrado, e, como senão bastassem, elas estavam sob o efeito de algum encantamento, pois, cantarolavam canções desarmônicas, gargalhavam histericamente, gemiam como se estivessem em êxtase pleno, e quando apanhadas para serem indagadas do ocorrido ficavam emudecidas e com o olhar perdido. Ao averiguarem o Templo Sagrado de Dionísio os devotos perceberam algo ainda mais aterrador ao perscrutarem o local em busca de vestígios que pudessem denunciar os autores daquele infortúnio: A Libido de Ninfa - um dos principais componentes usado na preparação da sagrada bebida deste festejo, a Hermadiônica -, foi usurpada do santuário durante a invasão.


Ilustração por Miguel Coimbra.
Barão Mariuns Lacquoa do baronato
de Lacquoa no reino de Cardiel,
principal interessado na resolução
do crime cometido contra a divindade,
pois, teme pela vida de todos cidadãos
da região, inclusive a sua própria.
A população do Baronato de Lacquoa ficou estremecida com todos esses acontecimentos, pois, acreditavam que quando a divindade chegasse ao local e tomasse ciência do que havia ocorrido às suas sacerdotisas, e, sobretudo, de que não haveria Hermadiônica para ser servida em libação a Ele e a seus convidados, uma maldição poderia ser lançada sobre o povo de Lacquoa, ou mesmo, a perda da benção de seu patronato.

O Barão Mariuns Lacquoa quando soube do ocorrido associou o crime aos cristãos do Ducado de Hadaton, sobretudo, ao Duque Anthemius Crivelli e ao Arcebispo John Menelau. Para tanto, ordenou imediatamente a população que identificassem todos os estrangeiros e os entregassem as autoridades para investigação, principalmente, os cristãos e os desafetos da deidade. Quanto a essa ordem do Barão, a população rapidamente se mobilizou, e antes do término do dia, entregaram um grupo de 20 integrantes, dentre eles, 15 Humanos e 5 Não Humanos, as mãos de Sir Ominis Azzira – Primeiro Cavaleiro do Baronato de Lacquoa.

Sir Ominis interrogou os estrangeiros, contudo, todos alegaram desconhecer o ocorrido e serem inocentes quanto ao crime do qual eram acusados. Insatisfeito com o resultado, Ele os manteve encarcerados até a segunda ordem para que repensassem seus feitos e colaborassem com as investigações, ou do contrário, pela manhã seriam conduzidos até a Alcova de Andrômeda – Uma cela encrustada nos rochedos situados do outro lado das montanhas a beira-mar, onde geralmente os condenados morrem afogados com a enchente da maré, ou devorados pelas traiçoeiras serpentes marinhas.

Uma delegação sagrada a um Deus da Exceção.


Ilustração por Paul Abrams.
Sir Ominis Azzira, o Primeiro Cavaleiro
do Baronato de Lacquoa, encarregado
pelo Barão Mariuns de conduzir a
missão junto com os suspeitos pela
profanação ao santuário da divindade.
Antes do raiar do dia o Barão Mariuns e Sir Ominis estavam diante dos prisioneiros, acompanhados de uma comitiva que esteve de prontidão ao longo da noite de forma que os cativos não tentassem fugir. Na ocasião, eles propuseram ao grupo que escolhessem dentre eles cinco que poderiam lhes representar em uma “missão de redenção”, enquanto que os demais seriam conduzidos para a Alcova de Andrômeda. Os prisioneiros ficaram agitados, pois muitos que ali estavam não se conheciam ao ponto de entregar as suas vidas nas mãos de estranhos. Contudo, dentre eles já havia um grupo formado de aventureiros com cinco membros que se denominavam Os Cymamiras. Independente disso, esse mesmo grupo teve que ser desfeito parcialmente, pois, mais gente tinha interesse em sair dali e lutar pela sua vida (e daqueles que ainda ficariam encarcerados) até a concretização da missão.

Em um local mais reservado, o Barão Mariuns acompanhado somente de Sir Ominis falou aos cinco:

“O que estamos a viver aqui é uma situação muito delicada, senhores, e, infelizmente, a população de Lacquoa esta bastante abalada com os últimos eventos ao ponto de termos registrado três suicídios somente no dia de ontem. A maioria já se indispõe contra mim por tê-los mantidos encarcerados em vez de tê-los sacrificados em honra ao Deus, ou mesmo fazer o que deveria ser feito, que era coloca-los em missão. No entanto, não queria ser precipitado em meu julgo e faltar com bom senso. Preciso que juntamente com Sir Ominis Azzira - alguém da minha mais alta confiança -, e o ex-sacerdote do Templo de Dionísio, Meneféis, cumpram até o anoitecer do próximo dia as tarefas que lhes serão informadas para assim apaziguarmos os ânimos dos cidadãos de Lacquoa – Isto é o máximo de tempo que posso conseguir junto as lideranças populares antes que estoure uma rebelião. A propósito, sou um homem que cumpro a minha palavra, e, sendo assim, além de libertar vocês e os seus amigos, também os agraciarei com uma boa recompensa.”

Após as palavras do Barão que teve de se retirar para fazer um discurso em praça publica para a população, o cavaleiro Ominis entregou aos cinco escolhidos os seus pertences pessoais necessários à realização das tarefas que integravam a missão como um todo, e explanou detalhadamente a eles em que as mesmas consistiriam:


Primeira Missão: Busca por uma ovelha desgarrada.

“Uma das peças fundamentais para o êxito da missão consiste em encontrarmos e convencer o afastado sacerdote Meneféis em nos ajudar. Bom, ele era o único homem que podia adentrar o Templo de Dionísio e realizar os rituais, além das sacerdotisas – cujas quais acreditamos que Ele também se aproveitava após os cortejos divinais -, contudo, a cerca de dois anos, o intrépido Deus o amaldiçoou com uma forma feminizada durante uma Dionísa, e, como senão bastasse o humilhante fardo, a divindade tentou possuí-lo... Meneféis. o negou e se refugiou no alto de uma das montanhas que nos cerca, e lá vive solitariamente pastoreando merinos negros desde então.”


Segunda Missão: Mais a Libido de Ninfa para a confecção de Hermadiônica.

“Deveremos buscar por mais a Libido de Ninfa no Bosque de Telon que fica do outro lado do Lago Alfir. Contudo, para fazê-lo levaremos oferendas a Deusa Artêmis, A Caçadora. Embora ela seja uma figura arredia e desafeta das celebrações em homenagem a seu irmão, com as palavras e os presentes certos ela nos fornecerá aquilo que necessitamos. A propósito, dentre nós, somente os mais belos adentraram o bosque, pois as ninfas costumam se sentirem ofendidas com a presença de seres desprovidos de beleza, o que faz com que elas fiquem agitadas e se indisponham contra nós – e isso pode ser uma fatalidade.”


Terceira Missão: Capturar o responsável pela Profanação.


“Teremos que trazer nessa bandeja de prata impecavelmente ornamentada a cabeça do profanador, cujo como segunda opção, nós acreditamos ser Olerário - um sátiro que habita as marginais do Bosque de Telon -, pois, no ano passado o mesmo havia prometido se vingar de Dionísio por ter cortejado uma de suas amantes, Cibellis, a Centaura.”