Bem-Vindo Errante Viajante

Do Olimpo trago a almejada chama, da qual sugiro dançarmos embriagados a sua volta, e quando assim for, sujiro arriscar tocá-la, pois, felizes os que dela se queimarem.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

RPG: Aventuras em Yrth - Saga dos Bravos de Orion - João de Deus - Parte 2


Constituindo-se Mercenário, O Infausto Embusteiro

João de Deus percebeu com o tempo que o grupo de Heitor Ulbier não possuía uma fidelidade à altura das histórias que o próprio relatava para ele - enquanto líder -, haja vista que, alguns trabalhos eram dispendiosos demais e não justificavam a quantia a ser recebida. Embora, havia sim, alguns dois ou três fiéis, e, que com o tempo, o aprendiz de aventureiro conheceria muito bem dois deles, que são: Phartus, O Gêmeo e Alex Bartô, O Montanhês.

Além do Marquês Zimmerman, Heitor, possuía alguns outros clientes espalhados por quase todo o reino de Mégalos. Alguns destes eram arcanos que necessitavam de animais incomuns, e muitas das vezes, fantásticos, para a realização de seus trabalhos mágicos. E, sempre que estas tarefas surgiam, era comum no dia seguinte contar baixas na equipe, Alguns homens não tinham coragem de dizer na cara de Heitor que estavam lhe abandonando, pois, o líder era carismático e tinha uma língua afiada capaz de convencê-los do contrário, por tal motivo, optavam em desertar na calada da noite, geralmente após uma bebedeira desregrada, algo muito corriqueiro entre o bando.

Ilustração 01:
Phartus, O Gêmeo, nascido Meio Elfo,
  de natureza Bon Vivant, Impulsivo,
 e, ladino por profissão.
Phartus, O Gêmeo, era um meio-elfo, que aparentava ter pouco mais de vinte anos, contudo, ele possuía idade similar a de Heitor (por volta de 50 anos ou mais). Costumava levar tudo com muito bom humor, de tal maneira, que muitas das vezes se tornava insuportável por suas fanfarronices desmedidas e descabidas de bom senso. De passagem em uma cidade por pelo menos um dia, eram certas as seguintes ocorrências: Ele cortejaria três ou cinco mulheres, casadas ou não; Ele jogaria, ainda que estivesse apostando o dinheiro de outros; Ele beberia em demasia; e, por fim, vinculada a qualquer uma das três atividades anteriores, Ele entraria em uma confusão que certamente poderia lhe custar a sua vida, e de quem mais estivesse próximo. Um Bon Vivant convicto e impulsivo, que além de possuir uma singular habilidade para os jogos de azar, sobretudo, o de dados, também, era um hábil arqueiro, arremessador de facas, combatente, e, também, batedor de carteiras. Quando ele adentrou o grupo de Heitor há muitos anos trás, havia outro membro chamado Dillus de Myrgan, e, eles se pareciam fisicamente, exceto pelos quase desapercebidos traços élficos de Phartus e alguns trejeitos, no entanto, não demorou muito para serem chamados de irmãos, e, assim o líder o batizou de O Gêmeo de Myrgan, que com o tempo tornou-se somente, O Gêmeo.

Com Phartus, João de Deus aprendeu algumas de suas habilidades mencionadas acima, assim, como a aproximação propiciou também a afeição por hábitos indesejáveis. O primeiro fumo que o jovem puxou foi na companhia do meio-elfo, contudo, fumar, beber, e jogar faziam parte do cotidiano do grupo de Heitor Ulbier.

Ilustração 02:
Alex Bartô, O Montanhês.
Reservado e Braço direito de Heitor Ulbier.
Alex Bartô, O Montanhês, era o braço direito de Heitor, e, assim como, João de Deus, ele era um talento que fora encontrado ainda adolescente perdido entre vassalos medíocres de um nobre qualquer nos confins de Mégalos. Sem sombra de dúvidas, ele era um dos melhores combatentes do grupo, e, conseguia fazer de seus punhos armas naturais. Fazia um tipo reservado de poucas palavras, contudo, não dispensava uma bebida, um fumo e um sexo. Entre o grupo havia à surdina um comentário: “Saberás quando todos aqui estiverem demasiadamente bêbados e prontos para morte, quando o Montanhês, começar a tagarelar sorridente”. O tempo em que João esteve com eles, isso nunca aconteceu, e, foram muitas as bebedeiras pelas quais passaram. Inocentemente, o jovem João de Deus apostou com Phartus que conseguiria beber a ponto de fazer com que Alex quebrasse a sua postura impávida, e, assim viesse, a tagarelar sorridente... Nesse dia, João viveu o seu primeiro coma alcoólico.

Quando João de Deus decidiu-se por aprender algo com Alex, ele teve de pedir uma espécie de intermediação de Heitor, pois, por algumas vezes ele tentou se aproximar do Montanhês, e este último sempre se mostrou alguém indisposto a ensinar aquilo que sabia para qualquer um até aquele momento. Uma das poucas palavras que o retraído homem disse diretamente sob um olhar penetrante ao jovem foi: “Veja, aprenda e não perturbe”, sob o total aval do líder. João até se esforçou para acompanhar em silêncio a agilidade com a qual seu tutor exercia as suas perícias de combate e confecções de armadilhas, mas não tardou para que ele quebrasse a terceira regra de convivência, e, com isso, o jovem impulsivo ganhou um primeiro olho roxo dentre os membros do grupo.

Heitor Ulbier, O Caçador, era uma figura emblemática, popular, e quisto entre os seus. Tinha uma habilidade nata de perceber quando as pessoas tentavam lhe enganar ou tirar vantagem sobre ele, de tal forma, que dificilmente se dava mal. Uma vez ou outra se aventurava em fazer negócios com tipos mau-caráter para saber até onde eles iriam com suas tramoias, mas, o que mais lhe chamava a atenção em fazê-lo, era a possibilidade de passar os mesmos para traz, como por diversas vezes o fez com o Marquês Zimmerman de Craine. Diziam que ele era capaz de dormir com um olho aberto e outro fechado, de tamanha prontidão e leveza de sono, tinha o olfato, o paladar e a audição assombrosamente apuradas. Estranhamente, conseguia por horas a fio, ficar imóvel, olhando em um único sentido, sem beber ou comer. Em meio a uma floresta se sentia parte da mesma, possuía a estranha peculiaridade de às vezes cheirar e até ingerir as fezes de um animal, para saber do que a presa havia se alimentado e a quanto tempo. Embora tivesse muitas boas atribuições enquanto líder, ele tinha uma dificuldade em lidar com o dinheiro e as conquistas que o precediam. Às vezes o muito que Ulbier conseguia conquistar se perdia mais rápido do que se esperava, e, isso afetava consideravelmente a moral do grupo que o acompanhava, era como se ele fosse detinha algum tipo de azar para essas questões. 

Com O Caçador, João de Deus pôde aprender um pouco de suas habilidades de conversar persuasivamente, em caçar, rastrear, emboscar, assim como algumas maneiras de tornar a sua prontidão mais apurada. Às vezes, João olhava para o velho Heitor, e imaginava, se o pai dele teria sido como esse homem, pois, eram pouquíssimos resquícios de memória que o jovem ainda tinha de seu progenitor.

João de Deus ao aprender algumas técnicas com Phartus na arte da punga, prestidigitação e dos jogos de azar, assim que o grupo retornou de uma empreitada em um bosque nas proximidades da cidade de Arvey, ele resolveu que já era hora de fazer uso de seu recém aprendizado com outros alheios ao seu convívio diário. A sorte de principiante elevou o seu ego ao ser bem sucedido em três ações em uma mesa de jogos de dados, contudo, algo de muito ruim ocorreu na quarta tentativa, quando ele tentou trapacear um gnomo que também estava sentado a mesa, a jogar e a beber por mais uma aventura atravessada. Logo, o pequeno chamou a atenção da taverna inteira para desmascarar o ladino. No mesmo local, estavam alguns outros dois membros de seu grupo, contudo, os mesmos não estavam predispostos a comprar a briga que envolvia uma quantidade superior de indivíduos, sendo assim, trataram logo de se retirar em meio a confusão. O jovem foi imobilizado e surrado por um grupo de gnomos, anões e homens que se amontoaram para julgarem com o peso de seus punhos o trapaceiro. Inconsciente, seu corpo foi arremessado a uns três metros por um Meio-Orc que trabalhava no estabelecimento como Leão de Chácara.

Phartus que havia conduzido João até aquela taberna o deixou a vontade enquanto se intertia com uma das jovens que atendiam ao salão, contudo, como o mesmo se retirou do lugar para se agarrar mais a vontade com a mulher que seduzira não percebeu a tremenda encrenca em que o jovem companheiro havia se metido. Contudo, foi o Meio-Elfo, após algum tempo que socorreu João ao encontra-lo desacordado, ensanguentado e amordaçado ao chão em decúbito dorsal. Quando Phartus o ergueu pelos braços o sustentando pelo ombro, um gnomo disse ao longe próximo a entrada da taverna: “Infausto Embusteiro, mais sorte da próxima, se houver”, e seguiu caminhando em sentido contrário com um cachimbo na boca. A princípio aquilo soou repugnante e digno de vingança, mas veio a calhar, sobretudo, tendo o jovem aprendiz de ladrão sobrevivido, e, aprendido a mais uma grande lição.

No grupo de Heitor Ulbier, João de Deus viveu por cerca de três anos, e, com ele participou de algumas valiosas empreitadas que lhe geraram experiências significativas na vida a qual havia abraçado. Com o tempo, e maturidade suficiente, ele percebeu que o grupo já não poderia oferecer coisas das quais almejava, que incluíam riqueza, fama e passado.


Verdades que conduzem ao passado e que alimentam vinganças

Há algum tempo João de Deus tinha tido alguns sonhos de infância, onde vivia feliz na companhia de Maria a percorrer estradas empoeiradas rumo a lugar nenhum, e, isso o atormentava de alguma maneira, pois, não sabia até onde a história contada por seu algoz na fazenda era verdade ou não, uma vez que, Luzmmonarca o torturava de todos os modos possíveis. E, sempre que relatava esses sonhos e sentimentos para Heitor e Phartus, logo eles procuravam não se aprofundar no entendimento daquilo, o que lhe deixava mais inquieto. Contudo, foi Alex Bartô, O Montanhês, que o ouviu após perceber que algo não estava em seu devido lugar – o jovem estava desconcentrado e distante -, e, o orientou a deixar o grupo em busca de respostas para as suas perguntas. Nesse dia, para total surpresa, eles tiveram a mais longa conversa que qualquer um já teve com aquele homem reservado e de pouquíssimas palavras teve em anos.

O Montanhês sugeriu que João de Deus fosse para Craine o quanto antes, e lá procurasse a sua irmã Maria no Palacete das Orquídeas de Noir que pertencia a Hilda Noir, amante do Marquês Zimmerman. Pois, assim como João, Alex Bartô desacreditava na história contada por seu algoz. Desta forma, ambos sabiam que ele precisava ter a certeza de que Maria estava vida para calar a dor que o torturava. Na calada da noite, o tutor das armadilhas preparou uma montaria para seu companheiro e aprendiz, assim, como dispôs a ele um punhado de peças de ouro suficientes para comprar a vida de pelo menos umas cinco escravas. Uma última palavra proferida pelo Montanhês: “Para essas moedas não há volta, assim, como par ti, João”. Ele lhe deu um forte abraço e desejou-lhe uma viagem segura.

Assim, como tantos outros fizeram antes dele, João de Deus deixou o grupo liderado por Heitor Ulbier, O Caçador. Contudo, nesses três anos de convivência, algo no seu intimo sabia que o líder conseguia captar esse tipo de sentimento de fim, e que ele também tinha outra grande dificuldade além da indisciplina financeira: a de dizer adeus para os seus.

Ilustração 03:
Palácio das Orquídeas de Noir,
 liderado por  Hilda Noir, A Senhoria
 a Captora de João e Maria de Deus.
Quando João chegou à cidade de Craine, não tardou para que ele encontrasse o Palacete das Orquídeas de Noir. Uma espécie de prostíbulo frequentado exclusivamente por nobres e homens de posses do reino. Desta forma, ele se deparou com uma dificuldade da qual ainda não estava preparado. Durante dias, ele ficou observando o perímetro, quem entrava e quem saía do local, quem zelava pela vigilância e todos os demais perigos possíveis, por fim, chegou à fatídica conclusão de que sozinho seria impossível adentrar o lugar, e, ainda mais difícil seria deixa-lo acompanhado de uma fugitiva. Por diversas vezes vislumbrou em uma das várias janelas a feição singular de Hilda Noir, e de seu antigo mestre, o Marquês Paul Zimmerman.

No coração de João de Deus uma verdade ganhava forças a cada novo dia estudando aquele requintado cativeiro: a Maria poderia estar viva sim. E, esse pensamento, além de lhe dar forças também o afligia.

João de Deus reconheceu nas proximidades da hospedaria onde estava hospedado um homem que há muito não via, um distinto nobre que frequentava o prostíbulo, e que, embora não soubesse o seu nome, o agarrou pelo braço vociferando inquisitivamente as seguintes palavras:

“Eu o reconheço... É o Homem das várias faces que fez com que a minha irmã o seguiste, para no fim, acabarmos na desgraça em que nos encontramos!”.

O sujeito ficou perplexo com tais palavras e a maneira como fora abordado pelo rapaz, e, tentou logo se desvencilhar, contudo, João já não era mais uma criança inocente como de outrora, e, soube muito bem como detê-lo, Não havendo saída, os dois estavam novamente frente a frente, e, somente coube, a Jammes Debberus ter autocontrole, e levar o seu captor até um local mais reservado para conversarem em particular, uma vez que, o jovem estava demasiadamente alterado. Jammes detestava exposição pública.

Apesar dos anos, Jammes não aparentava ter envelhecido tanto. Assim, que eles chegaram no quarto ao qual ele havia alugado, o mesmo não foi grosseiro e nem tentou se afugentar, muito pelo contrário, foi cordial e muito educado tomando duas cadeiras e as colando de forma que pudessem se assentar e dialogar civilizadamente. Ele, também estava curioso em entender do que estava sendo acusado em tantos anos. A forma como Jammes recebeu João de Deus, fez com que o último revesse a sua postura, pois, aquilo o surpreendeu.

Em silêncio, Jammes Debberus ouviu o relato de toda a história de vida de João de Deus até aquele momento. Lembrou-se do episódio no barco, e, de como aquelas duas crianças haviam atrapalhado os seus planos, contudo, o motivo pelo qual havia se afugentado delas, era justamente, por acreditar que as duas pudessem ser filhos bastardos dele, de fato, sobretudo, por em diversas ocasiões, tido ele flertado e encantado algumas mulheres que cruzavam o seu caminho. Conhecer essa verdade o tranquilizou em partes, mas, saber que a jovem Maria havia sido levada para o Palacete das Orquídeas de Noir para servir como escrava sexual de devassos nobres o fez se sentir parcialmente culpado, pois, nessa hora veio lhe a lembrança dela blefando o chamando histericamente de “Papai”, e, pior, a confirmação de que uma das mulheres que lhe pareceu familiar dentro do palacete poderia ser com certeza, a adolescente que conheceu outrora. Em seu intimo um pensamento martelava incessantemente como uma consciência pesada:

“Tanto tempo havia se passado, e, quanto sofrimento minha fuga de uma situação improvável causará a outros... Lamentável para quem sempre gozou de bom senso, e, brindou a sensatez”.

Jammes se pôs a falar após ponderar toda a situação:

“Lamentavelmente, Eu não posso fazer as águas do tempo retornarem a nascente, e, fazê-las novas, pois, o frescor e o sabor são únicos para aquele que se deleita delas. Contudo, após tal relato, sinto-me compelido moralmente em ajudá-los, sobretudo, a jovem que é mantida em cativeiro por Hilda Noir no Prostíbulo da Nobreza Megalana... Não tenho certeza se a mulher que deseja tirar de lá é a mesma cuja semelhança me soou familiar, mas na altura da história em que nos encontramos, tanto Eu, como Você, desconhecemos com clareza os traços atuais dela, porém, acredito que possivelmente só conheceremos a fundo quando estivermos frente a frente com ela. Portanto, uma vez em minha companhia, deverá se portar conforme eu orienta-lo, pois, um deslize naquele lugar poderá ser fatal tendo em vista a missão. Coloco dessa maneira, pois, não sei até que ponto a liberdade das escravas de Hilda são comercializadas”.

João de Deus apenas teve de confiar naquela misteriosa figura de seu passado, e que naquele momento lhe pareceu o meio mais rápido de se chegar novamente a Maria.

Ao longo de dois dias, Jammes tentou ensinar um pouco de etiqueta e cultura, de modo que João pudesse adentrar com ele pela porta da frente o Palacete, algo mais sensato e menos arriscado. No entanto, o curto tempo, demonstrou a ambos que para aquele tipo de instrução seria necessário um tempo do qual eles não dispunham no momento. Sendo assim, o Mil-Faces pediu somente para que quando estivessem dentro do recinto: o jovem evitasse falar, não tomasse partido de algo sem o seu consentimento, e, buscasse imita-lo em seus trejeitos quando sinalizado por ele. A ideia sugestionada por Debberus para adentrarem o Palacete de Hilda Noir era muito boa: João de Deus seria filho de um nobre em ascensão no reino de Cardiel, e que fora enviado ao lugar para conhecer um pouco do comércio e possíveis aliados para os negócios da família, contudo, ele seguia também em processo de enriquecimento cultural e aquisição de demais conhecimentos relacionados a necessidade de um nobre, e, quanto a isso, .

Com algumas moedas de ouro cedidas por João de Deus a Debberus, eles construíram fisicamente a imagem dos dois personagens que adentrariam o Palacete naquela noite pra resgatar Maria.


Adentrando o Palacete, sucumbido ao inferno de devassidão.

Embora João de Deus tenha adentrado e se divertido em alguns bordeis na companhia de seus antigos comparsas de grupo, nada se comparava aquele lugar. Jammes Debberus era um homem meticuloso e fez questão de informar ao seu parceiro o que era o Palacete das Orquídeas de Noir, e, sobretudo, quem era os seus benfeitores e clientes:

"A nossa anfitriã, Hilda Noir, é uma criatura de beleza rara e misteriosa, da qual ainda desconheço a sua real natureza, mas sei que não é humana, pois, são raríssimos os homens que resistem aos seus apelos, dos triviais aos descabidos. É impossível não ficar encantado com a sua beleza singular; o seu olhar profundo capaz de desbravar a alma de um homem em fração de segundos; a delicadeza melodiosa como a sua voz penetra os nossos ouvidos, que mais se assemelha a uma canção profunda natural de nosso intimo; o seu indecifrável perfume suave de flores; e os seus gestos pitorescos... No meu entendimento, tamanha beleza significa perigo máximo. É ela a principal responsável pelo bom funcionamento da casa, assim como também, quem decide pelas contratações e o tipo de entretenimento a ser propiciado aos seus convidados, pois, orgias em grupo, sodomias e perversões que beiram a sanidade são frequentes.

Hilda serve os clientes do Palácio com as mais belas mulheres de Ytarria, e, não são somente humanas que compõem o grupo de escravas sexuais, existem semi-humanas também, sobretudo, da raça dos elfos, meio-elfos, halflings, gnomos, anãos, orccs, meio-orcs, e centauros. Assim, como a raça não é um delimitador, a idade e o sexo também não são. E, não somente ótimas experiências sexuais são servidas aos frequentadores, mas, também, o consumo deliberado e intenso de várias substâncias alucinógenas oriundas de várias partes do continente.

Cada escravo sexual possui a alcunha de uma flor, e, todos são proibidos de falar, salvo se o cliente assim desejar. E, a senhoria da casa faz questão de saudar todos os visitantes, principalmente, tratando-se de nobres oriundos de outras localidades. Portanto, nada de fita-la nos olhos para não comprometer o nosso propósito.


Ilustração 04:
Marquês Paul Zimmerman de Craine,
principal benfeitor e fiador do Palácio de Noir,
 e, amante de Hilda Noir.
O Marquês Paul Zimmerman é o principal benfeitor e financiador do Palácio, além de ter Hilda como amante declarada. Existem outros clientes na condição de protetores, mas nada se compara aquilo que o marquês se predispõe a fazer em auxilio a sua consorte. A guarda do lugar é toda cedida por ele, e, deve haver pelo menos sessenta homens, dentre eles, humanos e semi-humanos, e a criadagem que é responsável pela manutenção do lugar, a grande maioria também é oriunda de suas propriedades. Quase todas as noites ele visita o lugar, e muitas das articulações políticas desse lado do reino acontecem entre as paredes deste recinto.


Antes que você me questione o motivo pelo qual Eu sei tanto a respeito do Palácio, eu direi sem rodeios, a minha vida antes de sua aparição repentina seguia um curso que tinha como objetivo a minha aceitação junto a nobreza aristocrática deste reino, ainda que fosse somente mais um conselheiro, visto que, ao contrário de ti, eu nunca pude receber um treinamento em combate descente, lançar-me em aventuras grandiosas, salvar donzelas... Nunca gozei de perfeita saúde, e isso foi crucial. Hoje compreendo que talvez essa nunca tenha sido a minha sina, as tais estrelas do heroísmo, pois, compreendi que em mim havia um tato para politicagem e obscuridade das coisas, e, para isso, deveria aprimorar este meu dom. Portanto, desde então, o que tenho buscado é me colocar junto aos ilustres senhores da sociedade megalana, ainda que financiado pelos próprios as minhas participações nesses encontros... Sim, uma vez ladrão, sempre ladrão, jovem."

João de Deus em silêncio sabia que estava lidando com um homem que era um tipo de ladino referenciado por Phartus como um dos mais perigosos, sobretudo, para a sociedade como um todo, um manipulador político. Ainda que Debberus fosse um profissional em busca do seu lugar ao sol, o jovem foi advertido do tipo de atrocidades que esses homens são capazes de realizar em benesse própria sem se importar com as consequências. João se manteve na dele, e, preferiu não opinar sobre o caminho seguido por seu companheiro, certo de que, uma divergência ideológica pudesse prejudicar os seus planos. Ele acreditava que de alguma maneira, o seu companheiro estivesse agindo com honestidade, principalmente, ao relatar particularidades para um desconhecido em tão pouco tempo de convivência, algo que o fez lembrar Heitor Ulbir.

Os dois chegaram ao Palacete das Orquídeas de Noir em uma bela carruagem, guardada por quatro homens, dois que seguiam a frente como batedores e os outros dois na retaguarda, a fim de lhes assegurarem uma passagem tranquila, e, demonstrassem claramente nobreza. Ao longo, do percurso, Jammes ficou a repassar todo o enredo da estória para o jovem. Embora João fosse o fiador da liberdade de sua irmã, era a Debberus que caberia a negociação junto a Hilda. E esse ponto, parcialmente angustiava João, pois, ele esteve durante anos na companhia do Caçador, um dos melhores negociadores que pode observar em ação, ainda que comerciasse somente a venda de animais.

Ilustração 05:
Nas entranhas libidinosas e luxuriantes
 dos Domínios de Hilda Noir.
Ao adentrarem as portas do salão principal do Palacete, um mundo muito diferente do qual João de Deus conhecia se abriu diante de seus olhos, algo inesperado, assombrosamente belo, e, a princípio, inenarrável. Um local ricamente adornado, perfumado, e aconchegante a todos os sentidos. Um grupo formado por belíssimas criaturas desnudas em um palco conduziam uma canção ambiente que inspirava os instintos carnais. Havia comida em fartura, e muitas delas, desconhecida ao seu mediano paladar. A beleza se fazia presente por todos os quatro cantos do lugar. Contudo, foi Jammes que apresentou alguns dos Leões de Chácara que guardavam o lugar - seres que passariam desapercebidos aos olhos encantados do jovem senão fosse o seu companheiro -, eram eles, Gárgulas e Espectros a observarem tudo e todos. Muitos dos homens que ali estavam aparentemente já se conheciam de longa data, cumprimentavam-se e seguiam sem se sentirem intimidados por aquelas coisas, que mais se assemelhavam a peças decorativas do ambiente.

Quando João de Deus vislumbrou a entrada de Hilda Noir a caminhar suavemente de maneira flutuante em sua direção, ele teve o mesmo sentimento de Jammes: tamanha beleza não caberia a uma humana. Ele tentou não olha-la, concentrar-se naquilo que seu companheiro havia mencionado, porém, o que se fazia diante de seus olhos estava muito além do que imaginaria. Uma torrente inesperada de memórias do passado emergiram das profundezas de seu intimo, como se o primeiro encontro com aquela bela mulher houvesse ocorrido a segundos atrás. Ele tentou recompor-se de um choque súbito, como se lhe houvesse faltado ar, mas, era tarde, Ela já havia percebido algo sutil no ambiente... Antes que Debberus pudesse dizer algo, ela pousou o dedo sobre a boca dele, paralisando-o. E, então ela falou olhando diretamente nos olhos de João, como se sussurrasse diretamente em sua mente:

“Vou lhe trazer a mulher que em sonhos tem aguardado por longa data, Infausto Embusteiro, espero que a mesma propicie a você um prazer jamais imaginado”.

Hilda Noir segurou delicadamente a mão de João, conduzindo-o hipnoticamente por salões e corredores diversos do Palacete, passando por inúmeros cômodos, dos quais ele podia ouvir de tudo, ainda que tais sons lhe parecessem longínquos... Ele caminhava como senão fosse pelas próprias pernas, anestesiado ou mesmo embriagado, como se estivesse sonhando, com as vistas estivessem turvas e inebriadas... Queria se impor aquilo tudo, mas era crescente um sentimento de submissão e ardente paixão. Nunca havia sentido algo semelhante.

Quando João de Deus recobrou parcialmente os sentidos, ele estava em um quarto octogonal, ricamente decorado, sem a companhia de Hilda. Entretanto, diante dele estava um grande leito, e, envolta deste, diversas mulheres a rodea-lo deitadas ao chão, estando umas sobre as outras a fitá-lo. Ele olhava a cada uma delas perplexo pela beleza singular... Uma névoa aromática encobria suavemente os quatro cantos. Sentia-se embriagado, mesmo não tendo a lembrança de ter ingerido um pingo de bebida alcoólica desde a entrada. Acreditava que estava sob algum encanto... Poderoso, e do qual ele não conseguia resistir.

Ilustração 06:
A cortesã Laélia
 que serviu a João até o ultimo suspiro de vida,
e, que fatidicamente se revelaria ser Maria,
 a irmã por quem ele buscava reencontrar.
Sentiu quando delicadas mãos percorreram as suas pernas, escalando ofegante a altura de seu corpo. Não as via, mas, percebia-as em sedento movimento. Ele subiu o leito da cama desnudo, sem saber como as roupas haviam lhe sido subtraídas e em que momento... Aquelas mulheres ergueram-se sentadas a volta do leito, admirando-o. Em seu instinto libidinoso e selvagem queria possuir a todas, eram dezenas. Oito delas se ergueram por completo, uma de cada lado do quarto, desnudas, e se puseram a dançar em movimentos cadenciados e envolventes, enquanto as demais sussurravam uma canção ininteligível que funcionava de maneira alucinógena. Quando se deu por conta, estava demasiadamente excitado, deitado sobre a cama, e, sendo agraciado por diversos afagos, olhares, mãos, pernas, bocas e corpos. Era uma sensação tão intensa que o seu corpo estremecia e suava compulsivamente, sem discernimento de nada, completamente envolvido por luxúria.

Inexplicavelmente, uma única mulher tomou o pensamento de João, a única que em meio a toda aquela situação surreal, parecia-lhe concreta, de carne e odor que poderiam ser experimentados em sua plenitude com peculiar familiaridade. Ela lhe propiciou gozar por diversas vezes com uma intensidade jamais experimentada, onde por diversas vezes, ele sentiu como se a própria morte estivesse lhe espreitar a vida, em uma sensação de adrenalina culminante, desenfreada e mortal. O sorriso e o olhar da mulher lhe traziam a lembrança de algo muito bom, a muito desejado, no entanto, aquilo não se conectava a nada em sua mente... Era como se o desejo instintivo do corpo se sobressaísse a qualquer tentativa de racionalização do momento.

Houve um único momento em que João possuía aquela mulher que percebeu no olhar dela um correr de lágrimas, e, de que ela sussurrava em gemidos algo do qual lhe parecia familiar, contudo, inaudível, mas, por fim, associou aquilo ao prazer que ele proporcionava a sua amante, e, seguiu freneticamente sem se importar com nada, enquanto, ouvia nitidamente o gargalhar de várias pessoas, como se estivessem extasiados com aquele espetáculo.

Quando João de Deus recobrou a consciência, era manhã. Uma bela jovem estava deitada sobre o seu corpo, nua, e parcialmente, coberta por lençóis sujos de sangue... Ele não se lembrava de com exatidão os detalhes da noite anterior, mas havia um gosto estranho em sua boca, assim como algo que o perturbava intimamente e que não sabia ao certo decifrar. Ao tentar se desvencilhar da jovem para se levantar, percebeu que o corpo estava frio, sem vida, logo, Ele foi acometido por um terror sombrio seguido de uma sequencia de imagens malditas que se intercalavam em uma conclusão nefasta... João havia possuído Maria até a morte!

Uma voz composta, vinda de lugar algum, sombria e carregada de perversidade rompeu aquele atordoamento de João:

“Pensou que adentraria a minha casa e retiraria de mim aquilo que conquistei sem pagar um preço por isso, João de Deus?! Você veio até aqui em resposta a um chamado dela, um anseio comum a ambos em saber se ainda estavam vivos e por meio de um canal que eu não poderia impedi-los, mas, enfim, o que se seguiria em diante, isso sim, eu teria como contornar. Não somente permiti o reencontro dos irmãos, mas também consenti um último momento de prazer para que relembrassem a felicidade de estarem juntos”.

João de Deus agarrava-se desesperadamente ao corpo de Maria, e, quanto mais a realidade ganhava forma, mais e mais ele afundava-se em total insanidade. Ele tinha que sair daquele lugar imediatamente ou aquilo consumiria a sua razão por um todo. Ele tomou a mulher no colo, buscou forças nas profundezas de seu âmago para se por de pé, e correr em direção a saída do Palacete. Infelizmente, ele não dispunha de tanta força, e, na quinta queda, caído ao chão, sentindo como se estivesse a expelir sangue pelos poros do corpo, repleto de uma dor visceral, ele em prantos vociferou todas as injurias para com o demônio que havia os punido com tamanha chaga.

Ilustração 07:
Debauchery,
o demônio por de trás da encantadora Hilda Noir.
Ao longe ele podia ouvir em coro risos de escárnio.

“Sua ação insensata não foi de todo prejudicial aos meus interesses, e, graças a ela propiciei aos meus clientes um entretenimento do qual eles jamais esqueceram, a história de vós será por tempo indeterminado, lembrada e recontada... Quanto as tuas moedas de ouro, as mesmas pagaram a sua passagem com vida daqui, e um mago branco capaz de encantá-lo com aquilo do qual mais necessita neste momento, o esquecimento”.

Em meio às sombras do quarto, pela primeira vez, João de Deus pôde observar aquilo que o atormentava, que lhe dirigia palavras letais a sua alma, uma criatura demoníaca, encoberta por uma aura maligna de precedentes desmedidos, com a face repleta de uma intrigante satisfação e de olhar perturbador.






O Preço do Milagre é o Esquecimento.

João de Deus foi encontrado a quilômetros da cidade de Craine por Alex Bartô, O Montanhês, debaixo de uma ponte, em maltrapilhos, irreconhecível, agarrado ao corpo de uma mulher, cujo mesmo já se encontrava em adiantado estado de decomposição em função do odor que exalava. Ambos estavam seminus, e, ele mal conseguia falar algo que pudesse ser compreendido, balbuciava palavras desconexas. Quando o Montanhês resolveu passar por ali, um homem que cruzava o seu caminho pediu para que tivesse cuidado e tivesse a sua arma em punhos, pois, um louco, assombrava a região há dias, contudo, ele só não esperava que o tal, fosse o seu antigo companheiro de grupo, o Infausto Embusteiro. Parcialmente paralisado, lágrimas rolaram a face daquele homem ao ter aquela visão penosa, lágrimas que alguns duvidariam a possibilidade de algum dia presenciarem.

Alex Bartô, dias depois após ter ajudado João em sua partida do grupo de Heitor, passou a ter pesadelos como se a vida do companheiro estivesse em risco, a, princípio ele relevou aquilo, mas à medida que aquela coisa cresceu e perturbou o seu desempenho no cotidiano, o Montanhês acreditou ser algum tipo de presságio. Ao relatar isso a Heitor, e demais pormenores das intenções de João - que partirá do grupo em busca de Maria no Palacete das Orquídeas de Noir -, o Caçador não titubeou, pediu para que Alex fosse o mais breve possível ao encontro do ex-companheiro, e, o ajudasse naquilo que fosse preciso.

Quando João de Deus viu Alex Bartô, ele em sua insanidade achou que o mesmo queria tirar o corpo de Maria de seus braços. Ele ficou muito agitado, agressivo e partiu para ataca-lo.

Tardou um pouco para que o Montanhês percebesse que seriam necessários mais do que alguns golpes atordoantes para paralisar João, pois, aquilo que ele estava a enfrentar era de longe o rapaz de bom coração, honesto, e de coração mole que por diversas vezes demonstrou ser em sua companhia. Estava diante de uma fera afundada em tormentos desconhecidos. Por mais que Alex fosse um hábil combatente, algo mantinha João de pé e enfurecido, e, senão fosse pela intervenção surpresa de Phartus, algo de muito pior teria acontecido naquele fim de tarde.

O meio-elfo ladino achou estranha à partida repentina do Montanhês do acampamento onde o grupo estava concentrado, e, movido por sua curiosidade, resolveu verificar por conta própria do que se tratava. Ele surgiu justamente no momento em que suas flechas se fizeram necessárias para salvarem a vida de Alex do possível fim, e, para abaterem João de Deus que desfaleceu ao chão babando e grunhindo sons impronunciáveis.

Alex e Phartus amarraram João de Deus, e colocaram o seu corpo sobre o lombo de uma das montarias. Ambos concordaram que um deles deveria ficar para enterrar o corpo da mulher, e, nesse sentido, Phartus compreendeu que isso caberia a ele, pois, era o mínimo que poderia fazer pelo ex-companheiro de aventuras e aprendiz. João deveria ser levado às pressas para ser tratado e curado, pois, somente os estancamentos dos ferimentos não garantiriam a sobrevida dele.

O Montanhês se lembrou de que havia na cidade de Raphael alguém que poderia ajudar João de Deus, e, que forçando a cavalgada poderia chegar lá em menos de um dia. E, assim ele o fez, forçando ao máximo o seu cavalo.

Ao chegar à cidade de Raphael, muito cansado e faminto, Alex Bartô não se deteve foi diretamente ao encontro do único homem que conhecia e que poderia curar o companheiro de todas as moléstias que o afligiam. João de Deus quase não tinha sinais vitais quando lá chegou, e o corpo estava demasiadamente debilitado. Somente um milagre o salvaria da morte certa. Felizmente, a cura foi possível e em alguns dias o jovem Embusteiro estava de pé, contudo, houve um preço a ser pago: a memória de João de Deus nunca mais foi a mesma, tendo algumas coisas de sua vida anterior aquele momento se perdido para sempre.

“O nome Maria sempre me soou agradável... Sei lá, talvez algum dia quando tiver uma filha, Alex, eu coloque esse nome nela. Sempre me lembro do conto dos dois irmãos que se perderam em uma floresta, foram iludidos e capturados por uma bruxa, e em meio a tantos perigos passados juntos, o seu espírito de fraternidade sobressaiu aos desafios”.

Conquanto, João de Deus tivesse retornado ao grupo de Heitor Ulbier, era como se ele não se sentisse mais parte daquilo, e, não tardou para que o jovem partisse, sobretudo, após a morte do amigo Alex Bartô, que não sobreviveu ao ataque de uma criatura mortífera que habitava uma região da sombria Floresta Negra ao qual desbravavam em mais um trabalho. Os seus anseios do jovem permaneciam quase os mesmos de quando partirá pela primeira vez: queria ser reconhecido como um herói; obter a fama dos grandes heróis de Ytarria, fazer fortuna e possuir várias mulheres, embora, uma não lhe saísse da cabeça. E, a essa única mulher que lhe perturbava os sonhos, estranhamente não podia ser descrita, a quem ele atribuía tratar-se do verdadeiro amor, e à necessidade de ter todas quanto pudesse até encontrá-la.