Bem-Vindo Errante Viajante

Do Olimpo trago a almejada chama, da qual sugiro dançarmos embriagados a sua volta, e quando assim for, sujiro arriscar tocá-la, pois, felizes os que dela se queimarem.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Cintilar de Devaneios - Hana-ogi


Era uma vez, num pequeno povoado situado as margens de Tóquio, vivia uma menina belíssima. Da qual ninguém jamais saberia o seu verdadeiro nome, mas ela ficaria conhecida pela alcunha de Hana-ogi, a mais famosa oiran da história do Japão...

Hana-ogi passou a primeira infância com a mãe, que ainda muito cedo tornará se viúva, mas logo se tornou evidente que para ela não havia outro futuro senão nas casas verdes de Yoshiwara, o velho bairro murado junto aos pântanos da capital, onde freqüentemente as meninas pobres - em sua maioria -, filhas de lavradores, eram comercializadas e treinadas para se tornarem renomadas e cultas oirans.

E assim, a mãe vendeu Hana-ogi quando ainda tinha apenas sete anos de idade e, passado oito anos, a menina aflorescera, tornando-se cada vez mais bela ao atravessar das estações. Neste ínterim ela atendeu as oirans de Ogi-wa, a casa verde que mais tarde a tornaria a mais famosa de sua classe no Japão. Enquanto ainda usava o obi atado atrás, com as pontas caídas que simbolizavam a sua pureza intacta, as moças mais experientes a instruíam naquilo que eram premissas para o êxito em sua profissão que consistia no domínio das artes da dança, música, poesia, e caligrafia. E muito, além disto, estava também uma educação voltada para a oratória, o juízo ponderado e o bom senso sobre as coisas, que faziam de uma oiran um destaque dentre as demais a medida que o dialogar e maneira de entreter seus clientes a tornavam ainda mais atraente, visto que, os homens mais importantes eram seduzidos por bons tratos e uma conversação sofisticada.

No dia do seu décimo quinto aniversário, Hana-ogi abandonou para sempre seu verdadeiro nome, amarrou o obi na frente e recebeu seu primeiro cliente, um jovem de Odawara, que se apaixonou de tal maneira por Hana-ogi, que costumava perambular pelas proximidades de Ogi-wa, mesmo quando não tinha dinheiro para entrar. E ficou perplexo, ao vislumbrar aquela menina que se tornara mulher em seus braços, Hana-ogi se transformar na mais cotada oiran de Yoshiwara, e naquele tempo elas já eram mais de quatro mil.

Hana–ogi tornou-se famosa por seus poemas, suspiros saídos do âmago de seu coração e delicadas recordações de sua vida no campo, quando o orvalho cobria os arrozais.

Os sacerdotes nos templos falavam aos fiéis o quão exemplar jovem era Hana-ogi, que não pensava em obter a sua liberdade, contudo em enviar todo o ordenado que ganhava para a velha mãe, uma senhora que ainda vivia em local remoto e distante de sua amada filha lamentando todos os dias a amarga decisão de ter ceifado os laços que a união.

Nos dias santos, Hana-ogi costumava ir a um templo budista que era conhecido como o Templo Silencioso, por não ter sino, e, uma noite a esmo, a famosa oiran liderou uma procissão de milhares de moças de Yoshiwara, carregando um sino de bronze para o templo... Este era o seu presente para os sacerdotes, que a percepção de todos da nação, eram ainda mais pobres do que a benfeitora.

Sua fama ascendeu a tal ponto que vinham homens dos mais remotos cantos do país, e até mesmo da China para ver aquela glória do Nihon personificada em forma de mulher. Poetas escreviam canções a seu respeito. Homens próximos ao Xogum iam conversar com ela, e os pintores, os gravadores que viviam junto a Yoshiwara, todos queriam retratá-la.

Durante todo o tempo em que os homens do palácio do Xogum e os pintores celebres passavam com Hana-ogi, o jovem enamorado de Odawara também estava ali bem próximo, longe dos olhos da turba que se aglomerava para estar com a sua amada, ele, contudo, estava a sondá-la. E numa primavera, quando as cerejeiras estavam a ponto de florir, ele a raptou, levando-a para longe das casas verdes.

Ninguém soube onde eles se esconderam. Nem se este amor foi suficiente para gerar filhos. No entanto, os anos discorreram e a casa de Ogi-wa entrou em declínio. Os pintores, os escultores, e os homens importantes já lá não mais freqüentavam. Os sacerdotes dos templos vizinhos já não recebiam presentes de Hana-ogi. Os retratos dela eram vendidos em grande quantidade, pois todo mundo queria uma recordação da mais bela mulher que o Japão produzira.

Então, um dia do qual ninguém se recorda, Hana-ogi retornou.

A famosa oiran tinha em seu semblante uma beleza espectral, pungente, admirável e ainda mais majestosa como no auge de sua convivência entre as demais oirans das Casas Verdes, sobretudo, para alguém que deveria ter pouco mais de quarenta anos, ela era a própria encarnação da beleza de uma manhã de primavera. A sua frente seguiam meninas carregando flores perfumadas em um singelo cortejo, arremessando pétalas ao ar e lançando sussurradas melodias que tocavam a todos por onde percorriam. Um ministro de estado caminhava orgulhoso atrás de Hana-ogi; dois Yorikis seguravam sombrinhas sobre a sua cabeça; ela trajava um deslumbrante quimono azul com ricos mantos cor violeta, e os geta em seus pés tinham mais de vinte e cinco centímetros de altura. Em cinco dias, os maiores artistas do Japão tinham reproduzidos magníficos retratos do seu triunfal regressar, onde ainda se pode ver neles a imponente procissão de uma mulher única regressando ao seu estranho mundo.

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