Bem-Vindo Errante Viajante

Do Olimpo trago a almejada chama, da qual sugiro dançarmos embriagados a sua volta, e quando assim for, sujiro arriscar tocá-la, pois, felizes os que dela se queimarem.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Cintilar de Devaneios: Uma pequena fábula sobre o orgulho..

Primeiramente, gostaria de destacar que esse texto não é totalmente de minha autoria, ele foi um achado nos percursos da rede, porém, o mesmo me cativou tanto que eu senti a obrigação de fazer uma reedição com os meus pontos de vistas em relação a alguns aspectos da obra, sobretudo, para dispor ao leitor mais informações a respeito do espaço, dos sentimentos e dos personagens que aqui figuram.

Ilustração de Fernanda Suarez.


Era uma vez...
Sobre uma das mais traiçoeiras moléstias da alma.

Certo dia, um casal ao chegar do trabalho, encontrou algumas pessoas dentro de sua residência confortavelmente acomodadas em sua sala de estar. Imediatamente, eles julgaram se tratarem de ladrões os tais invasores cujo até aquele momento desconheciam as suas fisionomias – embora, algo na presença deles sugerisse algum tipo de estranha familiaridade -, Esposo e Esposa ficaram assustados, contudo, um destes que ali estava de pé, por sinal, um homem muito forte e saudável, com o corpo extremamente delineado em curvas musculares bastante esbeltas, que assim lhes disse:

- Calma, Meus Amados. Por favor, tentem ficar tranquilos e se assentem neste sofá, pois, nós somos velhos conhecidos de vocês e estamos sempre por aqui, ou ali, por vezes, em toda parte do mundo. – Assim o homem forte disse com voz afável e rosto sereno gesticulando calmamente para que os donos da casa se mantivessem sossegados e se acomodassem para ouvi-los com a devida atenção.

- Quem são vocês?! Por favor, o que querem de nós?! Nada temos... – Perguntou a mulher aflita, com voz tremula e estarrecida com a situação. E por medo, ela juntamente com o marido, assentou-se na poltrona indicada que permitia aos dois a ampla visão de todos que ali estavam no cômodo da casa.

- Pois bem, Eu sou a Preguiça. – Respondeu o homem másculo que lhes recepcionou, e que agora também gesticulava para que a mulher se acalmasse. – Nós estamos aqui para que vocês façam uma escolha, e, provavelmente, uma das mais importantes da vida de vocês. – Ele os fitou com seriedade e prosseguiu com a sua voz agora um pouco mais entonada. – Vocês precisam escolher dentre nós, aquele que deverá definitivamente deixar esse espaço. – Ele olhou agora com mais firmeza para o casal, porém, sem alterar o tom de sua voz.

- O quê?! Mas que conversa é essa?! Como pode ser você a Preguiça ou o Senhor Preguiça?! – A mulher olhou para o homem a sua frente incrédula das palavras proferidas por este gigante robusto – Logo você homem, que de todos que aqui estão, é aquele que possui um corpo escultural, de atleta, e que provavelmente, vive malhando e praticando esportes?! Não pode ser... – indagou a mulher absorta com aquela declaração que seguia em contradição a todos os seus pré-conceitos a respeito de tal personificação dessa moléstia.

- A Preguiça é forte como um touro e pesa toneladas nos ombros dos preguiçosos. E, com ela ninguém pode chegar a ser um vencedor. – O homem forte assim respondeu ao casal, fitando-os com os olhos vívidos e a voz continuamente firme e empostada.

Uma mulher aparentando ser bastante idosa, curvada pela avançada idade, com a pele muito enrugada, a voz debilitada, e que mais se assemelhava a figura caricata de uma famigerada bruxa de contos infantis, disse lhes:

- Eu, meus filhos sou a Luxúria. – Assim, com a voz débil e rouca aquela idosa de idade muitíssimo avançada se manifestou.

- Não... Não é possível! Isso é loucura! – Disse o homem, inclinando parcialmente o corpo do sofá, e nitidamente atordoado com tal manifestação. – Você não pode atrair ninguém com essa feiura.

- Não há feiura para a Luxúria, Meus Queridos. – A senhora deu passos à frente levando à mão a boca para encobrir uma ligeira tosse - Sou velha porque existo há muito tempo entre os homens. Sou capaz de destruir famílias inteiras, perverter crianças e trazer doenças para todos até a morte.

Nesse momento, ela voltou os olhos para o marido e esse olhar foi suficiente para fazer com que ele se voltasse a recostar na poltrona ao lado de sua esposa, enquanto ela terminava a sua declaração malquista.

- Portanto, não me subestime homenzinho, pois, sou astuta e posso me disfarçar no mais belo ser. – Assim sentenciou a mulher que em um breve instante a voz já não lhe era a habitual, porém, a de uma jovem e encantadora mulher.

Um homem de odor insuportável, vestindo trajes maltrapilhos e em farrapos, que mais parecia um mendigo, aproximou-se da mulher chamada Luxúria, pegou-a pela mão a conduzindo até uma cadeira próxima, e, cuidadosamente, ao assenta-la, voltou-se para o casal e disse-lhes:

- Então, Eu sou a Cobiça, Meus Caros. – Afirmou o homem moribundo, coçando a cabeça com os cabelos desgrenhados, porém, com um olhar penetrante. - Por mim muitos já mataram. Por mim muitos já abandonaram as suas famílias e a sua pátria. Sou tão antigo quanto a Luxúria, todavia eu não dependo dela para existir.

- E eu... Bem, eu sou a Gula, Amados. – Assim disse uma lindíssima mulher com um corpo escultural, cabelos de mechas magníficas, olhar encantador, cintura finíssima e perfumada o suficiente se fazer lembrada e para esquecer com qualquer resquício na memória de mau cheiro.

A bela mulher chamada Gula se colocou bem ao lado da Cobiça. Os seus contornos eram indescritivelmente perfeitos, e tudo no corpo dela tinha harmonia de forma e movimentos, mais uma vez, uma espécie de verdade que contradizia todos os ingênuos pensamentos do casal a despeito dessa mácula.

- Sempre imaginei que a gula seria gorda. – Disse a mulher passada diante daquela personificação tão contraditória aos seus preceitos.

- Vocês e seus arquétipos tão menosprezíveis diante de toda a nossa grandeza. Isso é o que vocês pensam, e somente! – Respondeu a bela mulher em tom desdenhoso enquanto caminhava pela sala como se desfilasse por uma passarela. – Sou muitíssimo bela e atraente, porque se assim não fosse seria muito fácil livrarem-se de mim! Minha natureza é delicada, normalmente sou discreta, quem tem a mim não se apercebe, mostro-me sempre disposta a ajudar na busca da Luxúria.

A jovem e encantadora Gula se achegou até as costas da cadeira da Luxúria e pôs se massagear os ombros curvos da velha senhora que mais parecia definhar em um último sopro de vida. As duas mulheres alargaram um sorriso para o casal, crédulas de que a visita deles estava de fato trazendo naquele dia mais do que uma grande escolha, mas a certeza de um valoroso aprendizado.

Sentado em uma cadeira disposta em um canto mais distante na sala, e, cuja luminosidade não passava de uma penumbra, um senhor também muito idoso, no entanto, com o semblante bastante sereno, com voz doce e movimentos suaves, disse lhes, enquanto o seu olhar flertava algumas marcas nos vidros da janela:

- Eu sou a Ira. Alguns me conhecem como cólera. – O velho homem voltou o rosto afável transparecendo uma idade semelhante a da Luxúria, entretanto, com muito mais vida e conservação. - Tenho muitos milênios também. Não sou homem nem mulher, assim como meus companheiros que estão aqui.

- Ira?! O senhor que mais parece com um dos nossos avós, ou que todos gostariam de tê-lo sempre por perto. – Franziu confusa a dona da casa. – Não é possível!

- Sim, sim. E a grande maioria me tem! – Respondeu o vovô com um sorriso. – Matam com crueldade, provocam brigas horríveis e destroem cidades quando me aproximo. Sou capaz de eliminar qualquer sentimento diferente de mim, posso estar em qualquer lugar e penetrar nas mais protegidas casas. Mostro-me calmo e sereno para mostrar-lhes que a Ira pode estar no aparentemente manso. – Sorriu com soberba o idoso para o casal, enquanto acendia um cachimbo que trazia em uma das mãos, para em seguida continuar a sua conversa. - Posso também ficar contido no intimo das pessoas sem me manifestar, provocando depressões profundas, úlceras, cânceres e as mais temíveis doenças. E, desta última forma, já levei para os braços da morte muitas pessoas, tão dóceis como lebres, que preferiram agonizar em dor até o fim de suas vidas, mas sem exaltar um único urro de dor, nem mesmo para avisar aos seus próximos. 

Uma jovem que se aproximou do senhor chamado Ira para olhar a janela, e, certificar-se de que ninguém os observava, acresceu logo em seguida a sua verdade aquela conversa da noite de rompimento de paradigmas:

- Queridos, eu sou a Inveja. Faço parte da historia do homem desde sua criação. – Disse a mulher que ostentava uma coroa de ouro cravada de diamantes, usava braceletes de brilhantes e roupa de fino pano, assemelhando-se a uma princesa rica e poderosa.

 - Como assim “inveja”?! Se você aparenta pelos seus trajes e compostura, dentre todos que aqui estão nesta sala, riqueza e beleza, o que muito convém crer que você parece ter tudo o que deseja?! – Disse a esposa agora se colocando de pé diante de todas aquelas apresentações e personificações tão mirabolantes.

- Há os que são ricos, os que são poderosos, os que são famosos e os que não são nada disso, contudo, eu estou entre todos. A inveja surge pelo que não se tem e o que não se tem é a felicidade. Felicidade depende de amor, e isso é o que mais carece a humanidade... Onde eu estou está também à tristeza. – A Inveja se pôs a olhar no fundo da alma da mulher de forma que lhe fez gelar a espinha ao ter lampejos de memórias de muitas de suas frustrações vividos com tal sentimento. 

Enquanto os invasores se explicavam, alguém dentre eles, demonstrava estar muito distante e alheio àquela conversa. Tratava-se um pequeno garoto, que aparentava ter entre cinco e seis anos de idade, não mais que isso, e, ele brincava pela casa, correndo, dando gargalhadas e saltitando. Sorridente e de aparência inocente, característica das crianças mais desinibidas, com sua face de delicados traços mostravam a plenitude da jovialidade, olhos vívidos e o rosto corado pela energia despendida em suas diversas brincadeiras até ali... Curiosamente, até então, o casal não havia voltado a atenção para o pequeno e travesso infante, pois, dentre eles, a criança parecia de muito longe a menor de suas preocupações. Contudo, o marido perplexo com todos os demais que ali estavam a se apresentar e a assusta-los, resolveu por bem, inquiri-lo:

- E você, garoto, o que faz junto a esses que parecem ser a personificação do mal? – Perguntou o marido ao levanta-se do sofá para-lo, com ambas as mãos aquela correria sem nexo ante toda aquela confusão.

O garoto responde com um sorriso largo e olhar profundo, como se o mesmo pudesse facilmente mergulhar na profundeza da alma em sentindo ao mais distante e profundo sentimento existencial:

- Eu sou o Orgulho.

- Orgulho?! Você é apenas uma criança!!! Tão inocente como todas as outras! Não diga bobagens... – Respondeu o homem incrédulo, porém, magnetizado pelo olhar da criança.

O garoto se desvencilhou dos braços do marido com uma facilidade assombrosa, e o seu semblante antes corado e feliz, tomou um ar de seriedade que assustou o casal.

- O Orgulho é como uma criança mesmo. Mostra-se inocente e inofensivo, mas não se enganem, sou tão destrutível quanto todos que aqui estão diante de vocês. – Disse a criança em um tom e força ainda não experienciado em nenhum dos outros pelo casal.

Quer brincar comigo, Papai e Mamãe? – Voltou à estranha criança a dizer em tom brincalhão enquanto a retomava a correr pelos cantos da casa.

A Preguiça interrompe a conversa e diz:

- Então, Meus Amados, Vocês agora devem escolher quem de nós sairá definitivamente de suas vidas. Queremos uma resposta, e, precisamos para o quanto antes. – Disse o homem forte com a sua voz afável, senão fraternal.

O casal se entreolha, e o marido responde:

- Por favor, deem-nos alguns minutos para que possamos refletir sobre a questão. – Disse o homem com a voz trêmula e embargada enquanto flertava a todos.

Os sete estranhos e maculados se entre olharam e consentiram que sim, mas que deveriam ser breves, uma vez que, o leito da casa muito lhes agradava. Desta foram, o Casal se dirigiu para seu quarto e lá fizeram várias considerações.

Alguns minutos mais tarde, o casal retornou ao âmbito da sala e para a companhia dos intrusos.

E então, Amados? – Perguntou a Gula com os olhos abrilhantados de expectativas.

- Gostaríamos que fossem todos, mas como a nós só foi permitido escolher um, então, queremos que o Orgulho saia de nossas vidas! – Com firmeza e parcialmente abraçados o casal olhou para todos, e, por último a intrépida e malquista criança.

Nesse momento, o garoto parou todas as suas estripulias, e olhou fulminante para o casal em sentido de reprovação, pois, era nítida a sua vontade de querer continuar ali. Porém, respeitando a decisão do Homem e da Mulher, dirigiu-se para a saída.

Os outros, em silêncio, também foram se levantando e acompanhando a criança. O Esposo não compreendeu o que se passava, e, então, perguntou pasmo:

- Hei! Vocês vão embora também?! – Perguntou ele ainda incrédulo com tal atitude se dirigindo ao grupo que avançava pelo corredor em direção a porta da frente (e saída para a rua).

O garoto, agora com ar severo e com a voz forte de um orador experiente, disse para o Homem e a Mulher:

- Vocês escolheram que o Orgulho saísse de suas vidas... Pois bem, vocês fizeram a melhor escolha! Porque onde não há orgulho, não há Preguiça, pois os preguiçosos são aqueles que se orgulham de nada fazer para viver, não percebendo que na verdade vegetam. Onde há orgulho não a Luxuria, pois os luxuriosos tem orgulho dos seus corpos e julgam-se merecedores. Onde há orgulho não há Cobiça, pois os cobiçosos tem orgulho das migalhas que possuem, juntando tesouros na terra e invejando a felicidade alheia, não percebendo que na verdade são instrumentos do dinheiro. Onde não há orgulho não há Gula, pois os gulosos se orgulham de sua condição e jamais admitem que o são, arrumam desculpas para justificar a gula, não percebendo que na verdade são marionetes de desejos frívolos. Onde não há orgulho não há Ira, pois os irados com facilidade destroem aqueles que, segundo o próprio julgamento, não são perfeitos, não percebendo que na verdade sua ira é resultado de suas próprias imperfeições. Onde não há orgulho, não há Inveja, pois, os invejosos sentem orgulho ferido ao verem o sucesso alheio seja ele qual for; precisam constantemente superar os demais nas conquistas, não percebendo que, na verdade, são ferramentas da insegurança.

Eles saíram todos sem olhar para trás e, ao baterem a porta, um fulminante raio de luz invadiu o recinto.

A noite passou sem que eles percebessem o quanto tempo havia transcorrido, mas, os dois sabem que àquelas horas seriam eternizadas em todos os seus momentos futuros pela melhor escolham que haviam feito.

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