Bem-Vindo Errante Viajante

Do Olimpo trago a almejada chama, da qual sugiro dançarmos embriagados a sua volta, e quando assim for, sujiro arriscar tocá-la, pois, felizes os que dela se queimarem.

domingo, 18 de janeiro de 2015

RPG: Aventuras em Arton - Untalla, a Centaura Peregrina Errante

Untalla é uma desgarrada da aldeia centaura em que nasceu a mais de uma década atrás, e, também de qualquer outra tribo convencional de membros da sua raça, onde geralmente a mulher possui um caráter secundário e pouco expressivo para todo o grupo, desta forma, o seu pensamento aguerrido, senão, rebelde e em contravenção as tradições raciais, em relação ao papel das mulheres estão muito além dos ensinamentos percebidos ao longo do tempo em se considerou parte de um todo. De fato, clériga, druida, esposa, mãe ou senhora do lar, não é algo que anseia. Não no atual momento de sua vida! Ela ama a caça, a aventura e os digladios que o mundo tem a oferecer, pois, credes fielmente, em uma máxima proferida a mitos anos pelo seu pai, Untall:

“Só vence quem se permite lutar”


Ilustração por Boris Vallejo.
Untalla, Filha de Untall e Cereis de Opan, Peregrina Errante.


Um relacionamento apartado das bênçãos da Deusa.

Cereis de Opan, uma consagrada e bem quista clériga da deusa Allihanna em uma das principais tribos de seu povo, viu se atribulada espiritualmente quando uma paixão proibida ascendeu inadvertidamente em seu peito. A proeminente clériga havia se apaixonado por um guerreiro que já havia sido prometido a outra mulher de seu povo, e está última não se trava de qualquer outra consorte, mas de sua irmã consanguínea, Ciellas, algo surpreendente e digno de todas as lamurias, e que ela somente veio a tomar conhecimento tempos depois em que o relacionamento entre ela e ele já havia alcançado raízes profundas em ambos os corações. O fato é que antes da fatídica descoberta a respeito do comprometimento conjugal de seu companheiro e de sua irmã, algo grandioso aconteceu para que este avassalador sentimento viesse a nascer.


Ilustração por Michael Anthony Mictones G.
Cereis de Opan, clériga da deusa Allihanna, e,
mãe de Cereis.
Um grupo expressivo de clérigos de Alllihanna havia sido convocado pelo sumo-sacerdote para uma grande cerimônia em homenagem à deusa no reino de Pondsmânia, e em meio à comitiva de centauros devotos da deusa estava Cereis. O trajeto percorrido da floresta onde a clériga vivia até o local onde aconteceriam os ritos, a comissão de centauros foi devidamente escoltada com segurança por um grupo de guerreiros, e dentre estes habilidosos combatentes estava Untall, filho de Unghous. Essa foi uma longa peregrinação, e com alguns complicadores ao longo dessa jornada, pois, por algumas vezes o grupo foi atacado por seres errantes mal intencionados.

Em meses de viagem e uma série de adversidades enfrentadas pelo grupo, sobretudo, em função de encontros desafortunado com goblinoides, orcs e demais desafetos da raça (senão da deusa também), foi tempo suficiente para se estabelecer um vinculo de amizade e confiança entre os membros desta comitiva em procissão. Sendo assim, no início, Cereis e Untall demonstraram entre si grande afeição pelo destaque de algumas de suas qualidades, e com isso, mais do que uma casual e oportuna amizade foi estabelecida entre os dois.

Por diversas vezes, Cereis foi advertida por Gawah, a anciã líder da comitiva em que viajava, da aproximação dela com Untall sob a alegação de que aquela relação não era apreciada pela deusa. Contudo, a jovem não deu crédito a essas palavras, pois, sabia que o guerreiro também era admirado por outras mulheres de sua tribo, além de outras mais que seguiam ali em companhia, e, que provavelmente ao retorno desta jornada, um casamento lhe seria arranjado. Enfim, a clériga estava disposta a lutar pelo coração daquele aguerrido homem se isto lhe fosse permitido, ainda que isso soasse como uma contraversão aos desejos dos mais velhos.

Em Pondsmânia, Cereis foi mais uma vez alertada sob a sua conduta ante a deusa e os demais membros da ordem, contudo, desta vez por outro, um tipo desconhecido do qual até então ela não havia percebido a presença, mas que também se tratava esse de um clérigo de Allihanna. Essa advertência veio em consonância com alguns sentimentos confusos e pesadelos com que vinha tendo nos últimos dias que antecediam a chegada ao lugar.

A clériga tentou se afastar de Untall, pelo menos ao longo dos dias em que os ritos de cerimônia ocorressem, entretanto, isso não aconteceu tal como ela planejava, principalmente, pela paixão que havia se estabelecido entre os dois. Uma paixão tão desmedida, cuja necessidade de consumação carnal entre o casal não se permitia trégua por muito tempo, ainda que fosse comprometedor a ambos.

Em Pondsmânia, a presença e a ausência presente de Cerei foram por diversas vezes percebidas pelo grupo de asseclas da deusa. Pois, ainda que a clériga estivesse na companhia dos seus na realização dos rituais sagrados, os membros que estavam a sua volta compartilhavam entre si do desleixo e o distanciamento completo da comunhão dela para com os demais, ou seja, o seu corpo poderia estar ao lado de cada um deles, no entanto, a sua mente e o seu coração vagavam desorientados em uma dimensão desconhecida. A anciã do grupo que viajou com ela, repreendeu-a severamente pela atitude dos dois, e, além disso, manifestou que daquele momento em diante não abençoaria essa relação, fazendo votos para que tal laço conjugal não se firmasse em nome de Allihanna.

Cereis e Untall seguiram a viagem de volta a aldeia evitando flertes de olhares, e, parcialmente, emudecidos, falando o mínimo possível sem quaisquer provas de afeto comum. O guerreiro até tentou forçar algumas aproximações junto à clériga, mas ela conseguiu as duras forças combater o sentimento que a consumia por dentro. Essa viagem de meses para a clériga e o guerreiro não mais pareciam durar meses, e, sim anos, os mais perpétuos e derradeiros.


Ilustração por Michael Anthony Mictones G.
Ciellas, Filha de Opan, e irmã mais nova
de Cereis, cujo casamento com Untall fora
previamente planejado  entre os guerreiros
Opan e Unghous por intermédio de
Gawah, a anciã.
Cereis tencionava em chegar à aldeia e pedir para que seu pai, Opan, conversasse com a anciã e revesse as suas palavras de infortúnio, pois, tinha um mau pressentimento em relação a isso. Todavia, quando a comitiva clerical chegou à aldeia natal, a sua irmã Ciellas a recepcionou com uma alegria contagiante informando que em muito em breve um grande casamento seria celebrado na família, o dela com Untall. Tal notícia arrasou emocionalmente a clériga, porém, ela sabia que não poderia transparecer isso para a jovem irmã, o que conseguiu fazer durante algum tempo, mas que desastrosamente deixou se a perceber em momento posterior... A irmã e os demais familiares não entenderam muito bem o que havia ocorrido com Cereis, e, nem ela estava disposta a explicar, portanto, somente afirmou que estava demasiadamente exausta da viagem.

Aparentemente, Untall não havia recebido a notícia do casamento com Ciellas de coração aberto por seu pai, Unghous, pois, ainda pensava bastante na jovem Cereis. Porém, ele também já estava crédulo nas palavras de maldição de Gawah, e, quanto a isso, o guerreiro não pensava em se opor, pois, acreditava que muito mais mortal do que a lamina de um inimigo, era a praga rogada de uma matriarca sob a benção da deusa.

Untall, Filho de Unghous, e Ciellas, Filha de Opnn, casaram-se com as bênçãos de Gawah e demais familiares, exceto, por Cereis que ainda trazia em seu coração grande ressentimento por parte de todos, sobretudo, da anciã, e, até mesmo, de seu passado enamorado cujo transpareceu tê-la esquecido com certa facilidade.

Nas noites de celebração do casamento de sua irmã, e dias antes da realização do mesmo, Cereis foi por diversas vezes comunicada de que Gawah estava desejosa em falar-lhe, e, que era algo de grande importância entre ela e a deusa. A clériga não conseguia se contiver em revolta, mas também não queria demonstrar este sentimento perante a ninguém, sobretudo, de sua feliz irmã, para tanto, ela se isolou a grande distancia da aldeia, e, por mais importante que fossem as palavras da anciã, Cereis não queria vê-la, crédula de que tudo que estivesse a acontecer era parte de sua imprecação.

Cereis cavalgou sem destino, e, somente parou quando percebeu estar fatigada, chegado a algum lugar muito distante de sua tribo e que não seria importunada por nenhum conhecido. Próximo a este lugar, uma clareira onde percorria um córrego, ela encontrou próximo ao esqueleto de um humanoide, um velho caixote parcialmente destruído e abandonado por longo tempo com algumas poucas garrafas – estando umas intactas, outras não -, e preenchidas com algum liquido desconhecido por ela. A clériga não sabia do que se tratava, mas resolveu averiguar, e, para isso, experimentou uma das garrafas ao perceber que o odor e a viscosidade não remetiam a nenhum tipo de veneno conhecido, muito pelo contrário, tratava-se de algo muito agradável ao paladar... Cereis se embebedou com uma única garrafa desfalecendo ao chão, entorpecida.

A centaura experienciou um momento não muito lúcido de sua vida, e, ainda sobre efeito do consumo exacerbado de bebida alcoólica, contudo, sem sombra de dúvidas, algo libidinoso em excesso, no qual ela era tomada mais uma vez nos braços por Untall, agora o seu cunhado! A princípio ela tentou se desvencilhar dos fortes braços do guerreiro, porém, o seu desejo contido em relação aquele momento era infinitamente maior, desta forma, ela preferiu não mais se fazer de rogada ou pudica, entregando-se por completa. Cereis não tinha certeza sobre o tempo ou o controle sobre a situação, ela somente se sentia extasiada com tudo, onde por diversas vezes, ela também teve a ligeira sensação de que o seu corpo estava sendo cortejado e agraciado com a carícia de vários Untall.

Passado algum tempo, Cereis recobrou a consciência. A sua cabeça latejava um pouco com algumas dores, porém, ela sentiu que algo havia lhe ocorrido no tempo em que estava desacordada ao solo. Havia alguns respingos de bebida ressecada em seu corpo, alguns hematomas superficiais e alguma ardência em sua genitália... Ela começou a ficar preocupada com aquilo, bastante por sinal. Olhou ao seu redor, viu o esqueleto que antes estava com o corpo debruçado sobre o velho caixote, agora todo espatifado; assim também estava o próprio caixote, com mais recipientes quebrados e vazios espalhados por ali, próximos a ela; e, por fim, o mais estarrecedor fato, algumas pegadas de centauros – pelo menos três. A clériga havia sido estuprada pelos seus, e, ela ficou transtornada com aquilo, porém, não sabia ao certo o que fazer a respeito, pois, sentia uma mescla torturante de raiva, ódio, vergonha, pena, nojo e tristeza.

Dois dias se passaram desde que a clériga recobrou a consciência, porém, ela não se sentia preparada para retornar a aldeia, para a casa dos seus pais, e para rever os seus parentes.


Ilustração por Len-yan.
Gawah, a Anciã, Clériga e
Matriarca da Tribo.
Cereis estava se banhando no córrego quando Gawah surgiu abruptamente em meio os arbustos, contudo, antes que ela pudesse dizer qualquer coisa – e ela sentia que tinha necessidade de se explicar e falar -, a anciã entrou no córrego e a abraçou ternamente. Essa atitude fez com que mais uma vez, a jovem centauro se desfalecesse copiosamente em prantos.

Gawah convenceu Cereis a não contar nada a ninguém sobre o que havia acontecido ali, pois, os sonhos que foram revelados a anciã eram comprometedores também para ela, uma vez que, a inadvertida e imatura, centaura havia adentrado em uma parte obscura da floresta, onde seres atormentadores habitavam.

Cereis e Gawah vieram conversando ao longo de todo o caminho até a aldeia, e, em passos vagarosos, de tal forma, que o tempo pareceu transcorrer de maneira estranha... O dia se manteve claro ao longo de muito tempo, como se o sol não se movesse do lugar. Quando as duas chegaram à casa de Opan, a jovem clériga não mais sentia dores em nenhuma parte do corpo, assim como não tinha quaisquer vestígios de hematoma, e, a sua mente parecia agora se preencher de lembranças de fatos que já não tinha a certeza se havia vivenciado ou não. As duas se despediram na entrada da casa como se fossem amigas de grande e mutua afeição.

O pai acolheu Cereis com um forte e carinhoso abraço, daqueles que somente alguém atribui a outro depois de um longo distanciamento, além de algumas intrigantes lágrimas que escorreram vacilantes dos olhos do patriarca. A clériga não compreendeu o sentido daquilo, mas não via a hora de cair na cama e descansar a longa caminhada.

O tempo passou – dias, semanas, meses e anos -, e Cereis já não se lembrava com distinção do ocorrido, nem mesmo do sentimento que nutria antes, durante e depois do soturno evento, que em sua mente de alguma forma, já se caracterizava como uma espécie de distante pesadelo, sobretudo, fruto da bebida alcoólica cujo sabor não saberia nem ao menos mais distinguir com propriedade.

A clériga Cereis não sentia mais nenhum tipo de sentimento amoroso pelo guerreiro Untall, nada além de uma consideração fraterna por conta de ser da mesma tribo, casado com a sua irmã e pai de seus sobrinhos. Assim, como nenhum ressentimento em relação a irmã que se casou com alguém que algum dia no passado nutriu uma paixão súbita e passageira. Porém, a clériga não compreendia o fato de Ciellas, Untall e os filhos morarem em outra aldeia – distante, diga-se de passagem -, e, o fato, de que somente aos sobrinhos era permitido estarem na aldeia.

Foi somente com a morte de Opan, de Ciellas e Gawah que Untall retornou a morar na aldeia com a companhia dos sete filhos, e a pedido da própria Cereis, cujo amor pelos sobrinhos era grande.

Opan o pai, havia morrido em uma incursão de um pequeno grupo de caçadores nos limites da floresta, onde os mesmos foram atacados por uma Mantícora. Ciellas, a irmã, faleceu no parto de sua oitava criança, que era uma menina, e se chamaria “Untalla”, se ela também não houvesse falecido dias depois. E, por fim, Gawah, a anciã e uma das matriarcas da tribo, que adormeceu e se transformou em pequeninos cristais brilhantes, que logo em seguida, foram conduzidos pelo vento ao espaço.

Com o falecimento de Gawah, dias depois Cereis passou ter novamente o avivamento de pesadelos passados, porém, ainda sim, não conseguia compreender a natureza dos mesmos.


Ilustração por Julia Alekseeva.
Untall, Filho de Unghous, renomado
guerreiro da tribo, e, pai de Untalla.
Untall pediu Cereis em casamento algum tempo depois de ter retornado a aldeia centauro. A princípio ela se negou constrangida com tal pleito, mas os sobrinhos desejavam isso por amor aos dois. A clériga, nos últimos dias estava se sentindo menos a vontade na presença do guerreiro e cunhado, algo inexplicável por ela e que parecia fluir de seu cerne. Ela se lembrou que por diversas vezes em que esteve na casa dele, a irmã se apresentava da mesma maneira, e, que em alguns momentos as duas ate se estranhavam sem qualquer motivo coeso. Enfim, este estranha emoção por Untall efloresceu em uma paixão, um sentimento tal, que a possibilitou aceitar o pedido de casamento para a plena felicidade de todos.

Nas festividades do casamento de Cereis, Filha de Opan, e Untall, Filho de Unghous, tudo transcorria muito bem, exceto, pelos contínuos pesadelos que a clériga vinha tendo relacionado a algo de um passado remoto. Ela ainda não conseguia compreender as visões com que vinha tendo, mas de alguma forma tinha a certeza, de que aquilo lhe parecia mais real do que apenas maus sonhos.

Na noite de núpcias, quando Cereis se deitou com Untall, e os dois então comungaram do prazer carnal, aquilo que no inicio pareceu demasiadamente extasiante e perfeito, em algum ponto, tocou mais fundo do inconsciente da clériga, e, somente nesse momento, ela teve uma visão nítida:


Havia uma clareira em meio à floreta;
Havia o som de um córrego fluindo graciosamente;
Eu sentia em meus lábios o doce sabor de um liquido alcoólico;
O meu corpo se movia e eu transpirava em ritmo frenético;
Eu estava na companhia de outros três corpos másculos ofegantes; e,
Um deles era familiar... Era por mim muito conhecido...
Por Allihanna, não...
Era o meu esposo, Untall!!!

Nesse momento, Cereis recobrou a memória de algo que estava desconexo em seu passado. Ela havia sido estuprada por Untall, na companhia de mais dois irmãos de armas, em meio às festividades do casamento dele com a sua irmã Ciellas. Isso a deixou completamente perplexa, catatônica, e emudecida. Contudo, o marido não percebeu o que se passava com a esposa e continuou a cumprir o seu papel até desfalecer na cama exaurido de todas as suas forças. Naquela noite ela não dormiu, de seus olhos escorriam amargadas lágrimas, e os dias posteriores, seguiram de forma custosa.

Ela fez alguma espécie de voto de silêncio, embora, não destratasse os enteados, e, nem mesmo o marido, Cereis, seguia com aquela dor acumulada em seu peito, da qual ela não saberia nem mesmo manifestar para com Allihanna. Ela estava descrente na deusa, pois jamais imaginaria um castigo de tamanha monstruosidade, e, com tantos cumplices...

Cereis engravidou de Untall na semana do casamento, para total infortúnio da clériga que já cogitava a possibilidade de se matar.

Se por um lado a esposa parecia abdicar de sua classe, de outro, o marido, havia se tornado um dos mais celebres líderes guerreiros dos centauros, reconhecido por sua bravura indômita, pelo seu extraordinário talento em combate, e, por fim, pelos seus incontáveis atos heroico para com o seu povo e grupos aliados. Untall era o melhor combatente de sua aldeia e estava dentre os melhores de seu povo, e, o mais importante para si, agora estava ao lado de quem ele sempre almejou estar muito antes de Ciellas, Cereis, mesmo que a clériga em algum momento no passado tenha demonstrado apatia em relação ao sentimento que o guerreiro nutria por ela. 

Untalla nasceu no dia 10 de outubro do ano 1.358. Ela era a caçula de oito filhos de Untall, e, também, a primeira e única filha, da clériga Cereis. O seu nascimento fora aguardado com grandes expectativas, senão certo temor, pelos seus familiares e amigos próximos, pois, presságios ruins envolviam esse acontecimento, conforme a sensibilidade natural desses fantásticos seres, os Centauros de Arton.

A pequena centaura foi concebida em um trabalho de parto muito longo e complicado, que por muito pouco, não custou à sua própria vida e a vida de sua mãe. Cereis, a mãe, levou três semanas para se recompor do nascimento de Untalla. A aproximação da mãe e da filha foi demorada e difícil devido aos traumas anteriores e recorrentes ao nascimento, de tal modo, que a criança nunca chegou a ser amamentada pela clériga, tendo de ser entregue pelos irmãos a amas de leite momentos depois da nascença por incapacidade da própria mãe, cujo apresentou sintomas de aversão ao neném.

No dia do nascimento de Untalla não houve um corriqueiro e animado festejo entre familiares e amigos na aldeia. Havia um clima no ar muito desconfortável entre os aldeões, uma mescla de sentimentos pesados que somente um evento como uma guerra fosse capaz de trazer, sobretudo, havendo mortes entre os seus, muitas por sinal, e, demasiadamente sangrentas. Uma semana antes do nascituro da pequena centaura, a população do Bosque de Allihanna entrou em batalha contra uma legião de Hobgobins e goblinoides que estavam desejosos em tomar uma região que consideravam prósperas para os interesses evolutivos, financeiros e bélicos. Sendo assim, diante do caos que imperava sobre a floresta, o nascimento da filinha de Untall e Cereis aconteceu sem maior notoriedade. 

Untall, o líder guerreiro de sua aldeia, e os seus dois filhos mais velhos, Unlion e Unghos, também se juntaram ao flanco dos aliados. Os filhos estavam bastante animados por guerrearem ao lado do pai, que sempre lhes foi um grande ídolo, e, desta forma, ambos se envolveram nos confrontos diretos com as tropas inimigas com o mínimo de temor no que lhes pudesse ocorrer, salvo o caso de serem feito prisioneiros de guerra, pois, alguns aliados já haviam mencionado os costumes de maus tratos dos inimigos.  Lamentavelmente, Unghos, o filho mais novo foi morto em uma emboscada covarde, enquanto que o outro, Unlion, foi capturado como prisioneiro e resgatado dois depois – dias que lhes foram suficientemente traumáticos. 

Unghos morreu no mesmo dia do nascimento da mais nova membra da família, a sua irmã Untalla. E, ele era quisto dentre os mais novos membros das tropas aliadas, pois, demonstrava espírito, força e talento como de um combatente veterano. Untall ao tomar conhecimento da morte do filho em campo partiu de forma irascível em busca do corpo de Unghous. O pai cavalgou com o peso do filho jazido em seu lombo até o acampamento, derramando lágrimas de profunda dor e incapacidade ao longo do caminho. Untalla e Unghos não se conheceram, no entanto, Untall atribuiu a esse falecimento, o nascimento de uma mulher como maldição de Gawah.

O nome “Untalla” foi dado por um dos irmãos da pequena centaura que sabiam do desejo da mãe falecida, Ciellas, e, do pai, Untall. Cereis não demonstrou interesse algum na proximidade com a criança, portanto, pouco fazia questão do nome que lhe seria atribuído, pois, para ela aquela ainda seria tida como uma criança desafortunada pela deusa. Sendo assim, a filha caçula do casal passou a ser chamada de Untalla, Filha de Untall.



Sombras amargas em um vale solitário denominado Infância.


A infância de Untalla foi moderadamente solitária em sua casa e aldeia, pois, os seus irmãos eram, na maioria, muito mais velhos do que ela, e com as demais crianças da tribo tinha dificuldade de aproximação em virtude de sua timidez e baixa autoestima. Como ela nasceu em um tempo de guerra, e, nesse período muitas vidas foram tolhidas, os mais novos homens da tribo tiveram desde cedo que serem preparados para uma vida mais madura, portanto, a infância, de um modo geral, foi abreviada para muitos, com exceção das mulheres. Sendo assim, Untalla em sua infância solitária somente conheceu os prazeres de uma vida fantasiosa e os estudos voltados para o seu grupo feminino.

Em casa, a relação entre Untalla e os pais não era a mais desejada para uma vida familiar exemplar. A mãe parecia nutrir uma aversão à filha, e, dificilmente as duas se viam - mesmo residindo em uma moradia modesta com pouquíssimas dependências distintas -, por uma vontade exclusiva da clériga. O pai, embora para ela, fosse um grande exemplo de liderança e força dentre a tribo, em casa ele parecia trata-la com peculiar indiferença. O seu apego de mãe criadora foi depositado em sua irmã mais velha, Oild, ainda que essa, sempre tenha lhe ensinado quem eram de fato aqueles que ela deveria tê-los como pais, o que custou muito a ela compreender diante de tanta estranheza e dessabor. Untalla não conseguia se referir a Cereis como “Mãe” e nem a Untall como “Pai”, e, isso também era recíproco por parte da clériga e do guerreiro, os pais se referiam a filha somente pelo nome.

Desde muito nova, Untalla tentou se aproximar de seu pai, pois, gostava da maneira como Untall tratava os seus irmãos, principalmente, os varões. No entanto, essa afinidade era algo que somente fluía da parte dela, pois, do contrário, ele parecia sempre evita-la de todas as formas com as mais descabidas desculpas. E a pequena centaura não compreendia tamanho sentimento de rejeição, embora, um dos irmãos em um momento de furor, mediante a uma simplória traquinagem de sua parte, tenha lhe dito que o seu nascimento simbolizava para o pai a perda de um filho muito amado durante uma batalha perdida há anos atrás – ainda que a guerra contra os Hobgoblins houvesse sido vencida semanas depois de seu nascimento. E, tais pesadas palavras oriundas de um irmão amado, ainda que posteriormente tenham sido suplicadas desculpas, ressoaram amargamente durante a vida de Untalla.



Terríveis revelações para um vindouro caminho errante.


Na adolescência Untalla sofreu uma grande perda: Untall, o seu pai. O líder guerreiro foi afligido por uma doença mortal quando Untalla tinha pouco mais de quinze anos de idade. E, embora tenha ela aprendido a lidar com a indiferença do pai, a filha por diversas vezes foi agraciada com afetuosos elogios da parte dele, quando não estava sóbrio, de modo que tentasse transparecer para a mãe, ou a qualquer outro, em momento comum, de que aquela era uma filha diferente e apartada dos demais. Untalla, no fundo de seu coração, e nesses breves períodos ébrios de Untall, conheceu o real sentimento de seu pai para com ela, e, estando tão-somente os dois, distante das vistas de terceiros, eles se referiam um ao outro como “pai” e “filha”.

Untalla, a única filha remanescentes do casal que ainda não havia constituído família própria, teve de seguir com a mãe para o lar do tio por parte de pai, Ulver, que reclamou a mão de Cereis dias depois de encerrado os ritos fúnebres do irmão. Contudo, antes de seguir para o novo lar, a mãe pela primeira vez, teve com ela uma conversa do tipo “terrivelmente reveladora”, na qual, Cereis pediu para que a filha não tardasse em deixar a aldeia, pois, o pior iria lhe ocorrer. Algo que a clériga salientou como tão nefasto que comprometeria a vida dela e dos irmãos. A jovem tentou se impuser contra a vontade da mãe, mas Cereis foi ainda mais persuasiva ao relatar o sombrio capítulo que envolvia o antes, o durante e o depois de seu nascimento, algo que corria a sua alma há muito tempo, e, do qual jamais havia confidenciado a ninguém. Mãe e filha derramaram uma quantidade significativa e infindável de lágrimas mediante tantas amarguras resguardadas há tanto tempo, que no fim, Untalla compreendeu como certo o que deveria ser feito.


Ilustração por Daniel C. Fergus.
Untalla, uma desgarrada dos costumes
centauros, e, que viu na juventude a
necessidade repentina de se afastar da
aldeia em que nasceu por súplica mãe
ante o terrível mal.
Untalla, sobretudo, após a puberdade, passou a sentir por parte de seu tio - agora padrasto -, olhos e sentimentos desejosos por uma atenção fora do normal, algo libidinoso, e, ultrajante. E, essas emoções impudicas de Ulver viam em consonância ao desejo da mãe de que ela fugisse da aldeia o mais breve possível.

Cereis, como uma das lideres clericais, conseguiu junto à ordem, que a filha fosse enviada em uma missão, isto sem o aval e a contra vontade de Ulver. No entanto, o centauro líder em algum momento desconfiou dessa jornada missionária, sobretudo, pela enteada, que não detinha dons clericais, mostrava-se avessa as questões dogmáticas da religião e uma rebelde em relação a alguns costumes do povo. Portanto, o padrasto designou dois homens de sua mais alta confiança para resguardar com segurança o trajeto. Sabendo que algo poderia acontecer que impedisse a fuga da filha, a clériga solicitou a ajuda de outros mais próximos, semeando que Untalla havia partido em uma jornada penitencial de reencontro com Allihanna, e que isso somente conseguiria mediante a um grande sacrifício de sua parte, e, isso acabou gerando no líder dos centauros uma suspeita ainda maior em relação as intenções da esposa.

A grande companheira de Untalla nessa viagem foi Agrias, Filha de Adônis. As duas já se conheciam da floresta em que viviam, embora, residissem em tribos distintas. Contudo, a filha de Cereis, sabia por alto, que a companheira não era nenhum tipo de clériga, embora fosse devota da deusa, e tinha recebido instrução para isso. Ao longo da viagem, Agrias lhe deu muitas instruções em relação a perícias como herbalismo, venefício, armadilhas, sobrevivência, primeiros socorros, rastreio, procura, tratamento de animais, a caça, outros conhecimentos e armas.


Ilustração por Autor Desconhecido.
Agrias, Filha de Adônis, e, companheira de
Untalla na   fuga de sua aldeia natal, além
de conduzi-la nos caminhos da profissão
de Ranger.
Conforme o tempo passava, os dois sentinelas de viagem que acompanhavam Untalla e Agrias, começaram a desconfiar do objetivo dessa jornada. Porém, antes de chegarem à metade do caminho para Pondsmânia (o destino previsto), o grupo foi surpreendido por um bando de errantes malfeitores, e, isso custou à vida dos dois guerreiros enviados por Ulver. O que por um lado foi bom, pois, as duas se livraram de parte do problema, deixando nas proximidades do mortal confronto, grande parte dos seus pertences, e, sangue suficiente para que fossem dadas como gravemente feridas e sujeitas as mais traiçoeiras adversidades.

O caminho para Ponsdmânia se tornou ainda mais longo e proveitoso para Untalla na companhia de Agrias, pois, sem culpa ou disfarce, a ranger pode instruir a filha de Cereis na sua profissão, além de lhe revelar os planos de sua mãe, cuja morte lhe seria certa, assim que tudo fosse descoberto pelo padrasto. A ranger também convenceu a jovem centaura a não se desviar do novo caminho, por maior que fosse o seu sentimento de culpa em relação à sentença de morte de sua mãe, pois, tudo já havia sido traçado no curso da vida, e, quanto a isso nada mais poderia ser feito, além de aceitar o fardo, as lições entregues e a certeza de não desonrar a memória de Cereis.



Infausta perseguição por Ulver.


Pouco antes de chegar a Pondsmânia, Agrias e Untalla foram rastreadas por Ulver, que havia seguido as duas na companhia de mais três guerreiros. Com dificuldade, as duas conseguiram fugir do caço de seus perseguidores, e, assim, chegarem ao famigerado reino das fadas.


Ilustração por Se-min Lee.
Ulver, Filho de Unghous, líder centauro da
aldeia natal de Untalla, e padrasto dela.
Após julgar e condenar a morte, Cereis,
o mesmo partiu em captura de sua enteada
para fazer dela a sua esposa.
O padrasto tentou convencer Untalla de que a mãe ainda estava viva, preocupada com a sua segurança, e de que a queria novamente no seio familiar... A filha já havia sentido a morte da mãe semanas antes desse encontro, assim como a sua mestra, Agrias. Portanto, tais pretextos de Ulver para convencimento dela caíram facilmente por terra, o que deixou a ele ainda mais irascível em relação maneira de lidar com a enteada. Agora o líder dos centauros de sua antiga tribo, a qualquer custo, a queria para fazer pagar com o sacrifício da própria vida pela vida de todos os outros relacionados à sua maldita existência.

Agrias e Untalla tiveram que ser mais fortes e arguciosas do que os seus perseguidores, para tanto, tiveram de contar com uma força divina, além do reforço benigno de seres do próprio reinado de Pondsmânia que perceberam o que acontecia, e, agiram de maneira solícita as duas. No entanto, nem mesmo com este auxílio, não foi suficiente para que o trágico e inevitável ocorresse: o assassínio de Agrias pela lança de Ulver.

Ulver, juntamente com os seus liderados, conseguiram encurralar as duas fugitivas, no entanto, elas já haviam se decidido muito tempo antes desse fato, por não se entregarem facilmente – sem lutar -, ainda que isso lhes custasse à vida. Untalla havia aperfeiçoado as suas manobras de combate e as perícias com armas, mas ainda sim, isso não seria o suficiente para enfrenta-los corpo a corpo. Elas, portanto, optaram por embosca-los com as suas setas embebidas e em veneno anestesiante, e, assim, minar o poderia de ataque inimigo, entretanto, Agrias era pacifista, e não estava disposta a matar um membro de sua raça, porém, iria fazer de tudo para incapacita-los de prosseguirem com essa caçada. O plano delas seguiu de forma engenhosa, tendo conseguido derrubar três dos quatro captores, e, encurralar o líder para negociar a trégua e a desistência de seu plano, porém, foi nesse dado momento de negociação com Ulver, que um terceiro soldado emergiu dos caídos atravessando a mestra com uma lança... Este guerreiro havia dissimulado a sua queda ante as duas somente para agir em ataque surpresa, salvando o seu líder.

Untalla não teve nem tempo de lamentar a morte de Agrias, Ulver rendeu a sua enteada, e, a fez cavalgar para além dos limites do Reino de Pondsmânia, em viagem de regresso a sua antiga aldeia, onde seria devidamente julgada. Não obstante, antes de partir dali, o padrasto queria fazer com que ela sofresse amargamente a sua escolha, e, para isso, iria estupra-la, seguido por cada um de seus subordinados, como uma maneira que lhe pareceu justa e compensatória para o seu grupo ante todos os percalços causados por ela e a sua companheira.

Antes que eles iniciassem a tortura de Untalla, uma voz imponente e extremamente intimidadora emergiu das profundezas da floresta seguida uma rajada de vento gélido ordenando para que o líder centauro e seus seguidores deixassem imediatamente o reinado sob a advertência de que, o que sofreriam em consequência de seu ato profanador contra aquela devota de Allihanna seria infinitamente mais desejoso a morte. 


Ilustração por Boris Vallejo.
Untalla, que na companhia de Agrias
aprendeu e tomou gosto pela profissão
 de ranger.
Ulver desconhecia a autoria da voz, porém, aquilo o fez gelar por dentro com tamanha propriedade, que fez com aflorasse em seu inconsciente uma série de lampejos de atitudes ultrajantes tomadas diante de seu povo, algo que nunca havia experimentado. Quando ele se deu por conta, se viu só, nem mesmo os seus seguidores se encontravam as suas vistas... Eles haviam se debandado por tempo indeterminado, e, tomados por um grande medo. Ele não disse uma palavra a Untalla, simplesmente a deixou naquele lugar lançada aos seus pés e a própria sorte.

Passado algum tempo, Untalla percebeu que o clima a sua volta havia retornado a um padrão mais ameno e harmonioso, assim como também, já não estava na companhia de seus algozes, portanto, recobrada a consciência de tudo que havia lhe acontecido até então, a jovem ranger correu sem mais de longas em direção ao local onde Agrias estava desfalecida.

O golpe de lança que havia atravessado Agrias fora mortal, havendo entre as duas um resquício de tempo para se despedirem antes que ela perdesse totalmente a consciência. A mestra não deixou de frisar para Untala como últimas palavras:

“Ela não nos abandou, credes nisso”

Untalla enterrou a sua mestra na floresta em um rito parcialmente silencioso, senão fosse à presença do cântico matinal de alguns pássaros, cujo estas mesmas aves e outros pequenos animais acompanharam o simplório cortejo fúnebre. Lágrimas da centaura não mais eram necessárias pela perda, pois, Agrias não se sentiria confortável com tanta dor, independente do lugar que estivesse a observar a sua pupila e irmã de armas. No fim, a jovem ranger, filha de Untall e Cereis, sentia-se plenamente agradecida por tudo, não somente por ter conhecido e convivido com Agrias, mas, pela oportunidade concebida por sua mãe e a própria deusa de lhe permitir um novo começo.



Uma nova e desconhecida vida em Pondsmânia.


Em Pondsmânia, distante de todos aqueles com quem um dia conviveu, a centaura Untalla, filha do guerreiro Untall, filha da clériga Cereis, amiga de Agrias e devota de Allihanna, encontrou uma vida aguerrida a ser enfrentada, dia após dia, mas tal como o pai sempre dizia aos seus filhos, e ela assim também acreditava: só vence quem se permite lutar, e, para tanto, estava ela com muito esforço se empenhando nisso.

Untalla encontrou alguns anos depois da perda de Agrias, uma nova companheira: Teslla, uma loba. Ela estava muito abatida e com poucas chances de sobrevida, pois, o animal estava há dias sem se alimentar direito, salvo pelas oportunidades que surgiam inerentes das chuvas ocasionais e de alguns outros pequenos animais inadvertidos que se aproximavam da boa dela. A loba havia sido capturada em uma armadilha mal preparada por caçadores inexperientes na floresta. E o fato da centaura tê-la encontrado, e, a tratado com extremo zelo, além de sua natureza empática e desprovida de qualquer receio em relação ao animal, fez com que a fera selvagem atribuísse a ranger o título de fiel companheira, ainda que Untalla não a quisesse.


Ilustração por Yvonne Bentley.
Teslla, a Loba, e fiel companheira de Untalla em sua peregrinação
de provação das suas capacidades ilimitadas.



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